Bispos portugueses vão discutir "possíveis casos" de abusos sexuais de menores em Abril

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Papa vai voltar ao assunto amanhã ANDREAS SOLARO/AFP

Conferência Episcopal promete seguir orientações de Bento XVI no sentido de "reconhecer a verdade, auxiliar as vítimas, reforçar a prevenção e colaborar com as autoridades". Ninguém reconhece para já casos recentes

Os bispos portugueses irão discutir eventuais casos de abuso sexual por parte de membros do clero, já na assembleia plenária de Abril da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) - soube o PÚBLICO.

A decisão de debater o tema foi anunciada ao final do dia, num comunicado do porta-voz da Conferência Episcopal, padre Manuel Morujão. No curto texto de seis linhas, este responsável diz que "no seguimento das recomendações por parte do Papa Bento XVI, na abordagem dos possíveis casos de abusos sexuais por parte de membros do clero", a Conferência Episcopal seguirá "os mesmos princípios: reconhecer a verdade e auxiliar as vítimas; reforçar a prevenção e colaborar construtivamente com as autoridades".

O comunicado acrescenta apenas: "Neste sentido, faremos uma reflexão sobre esta temática, numa nossa próxima reunião." Apesar de não definir data, o PÚBLICO sabe que o debate deverá acontecer já na assembleia plenária de Abril, que decorrerá entre os dias 12 e 15 desse mês.

A única questão para não ter sido avançada uma data é que a agenda da assembleia tem que ser decidida e aprovada pelo conselho permanente da CEP. Este órgão interno não poderá reunir antes do primeiro dia do encontro plenário dos bispos.

O comunicado só foi divulgado depois das 19h, como reacção a uma notícia da edição de ontem do jornal i. Segundo este diário, haverá dez padres indiciados por crimes de abusos de menores em Portugal entre 2003 e 2007.

Em declarações ao PÚBLICO, Manuel Morujão diz que o facto de o tema ser debatido não significa que se esteja a admitir a existência de caso. "Dizemos que é a abordagem de possíveis casos", afirma. "Mesmo o que era noticiado pelo i, vamos ver se é verdade. Uma pessoa pode ser acusada e não ser verdade", acrescentou.

Vários bispos contactados pelo PÚBLICO admitiram apenas conhecer os três ou quatro casos que foram conhecidos e divulgados publicamente: um na diocese de Braga na década de 90, outro no início desta década respeitante a um padre de Coimbra mas que foi julgado em Leiria, um terceiro em Vila Real.

Todos esses casos foram arquivados ou resultaram numa absolvição. "Nunca tive suspeitas" desse tipo de situações acerca do padre, disse um dos bispos que lidou com um dos casos, mas que pediu para não ser identificado. "E depois disso nunca mais tive conhecimento de nada."

Mesmo assim, bispos e outros responsáveis com quem o PÚBLICO falou admitem que possa existir casos. "Um só caso já seria demais", diz um outro bispo. Portugal não é imune ao que se passa em outros países, afirmam à uma. Mas, para lá de rumores, todos os responsáveis dizem que não sabem de factos concretos.

Por isso, ninguém arrisca responder à questão de como reagiria se fossem revelados casos. Ainda houve quem admitisse um outro caso, com mais de duas décadas, com o qual não lidou directamente, mas que envolveria pessoas que já morreram.

O caso mais mediático foi, há 17 anos, o do padre Frederico Cunha, acusado de homicídio e de uma tentativa de homossexualidade com adolescente - no caso, um afilhado do padre de origem brasileira, que tinha sido secretário do então bispo do Funchal.

Na altura, aliás, a reacção do então bispo do Funchal foi muito mal aceite mesmo por colegas do episcopado e outros responsáveis da Igreja. O bispo Teodoro de Faria comparava os sofrimentos do padre ao ser preso com o que Jesus Cristo sofrera ao ser crucificado.

Papa assina carta amanhã

Ontem de manhã, o Papa Bento XVI afirmou que irá assinar amanhã, sexta-feira, a carta que prometera sobre o tema dos abusos sexuais cometidos por membros do clero.

Aproveitando a presença de um grupo de peregrinos irlandeses na audiência-geral de quarta-feira (dia de São Patrício, padroeiro do país) o Papa afirmou: "Nestes últimos meses, a Igreja na Irlanda foi severamente abalada pela crise dos abusos sexuais contra crianças. Como sinal da minha profunda preocupação, escrevi uma carta pastoral que trata desta situação dolorosa. Vou assiná-la no dia de São José, guardião da Sagrada Família e patrono da Igreja universal."

"Peço a todos que a leiam, de coração aberto e no espírito da fé", acrescentou Bento XVI, manifestando a esperança de que a carta "ajude no processo de arrependimento, de cura e de recomeço".

Um relatório oficial divulgado em Novembro, na Irlanda, fazia um levantamento dos casos que se tinham registado no país até à década de 90 e do encobrimento com que vários bispos tinham tratado esses casos. Na sequência desses documentos, três bispos demitiram-se.

Na última segunda-feira, um importante responsável do Vaticano, o presidente da Academia Pontifícia para a Vida, arcebispo Rino Fisichella, afirmou que Bento XVI está "determinado" a tomar novas medidas contra os padres pedófilos. Citado pela AFP, o arcebispo dizia que estas medidas poderão ser anunciadas na carta que amanhã será divulgada.

Quando se encontrou com o cardeal Sean Brady, primaz da Irlanda (ver notícia neste Destaque), o Papa qualificou como "crimes ignóbeis" estes actos cometidos por padres.

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