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22 de Março de 2011 - 16h29

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Análise
Como encher um Rio vazio
Por David Dinis

O novo líder do PSD fez dois discursos que marcam uma nova estratégia (negociar com o PS) e deixam pistas para mudanças no programa (algumas). Rui Rio começará agora a etapa mais difícil: como encher um Rio vazio, com os concorrentes em vantagem (o PS tem o poder e o CDS dois anos de propostas nestas matérias). O caudal, até agora, não é muito diferente do de Passos - e é este:

1. Dois temas para conversar (e mais dois)

Rui Rio não prescindiu do que o diferencia: alguns bloqueios estruturais do país não se resolvem "sem a colaboração de todos". No encerramento, deixou dois: descentralização e sustentabilidade da Segurança Social. Mas no discurso inicial tinha mais dois na manga: sistema político e justiça. O PS diz agora aguardar os termos da proposta - porque de concreto não se ouviu muito.

2. Uma omissão: finanças públicas

Talvez a maior diferença do PSD de Rio para o PSD de Passos. O novo líder aponta o discurso para a classe média, fala primeiro de questões sociais. E - sobretudo - não olha para a gestão orçamental do Governo como um fracasso (ou pelo menos passou ao lado do tema). O Diabo acabou-se? Não tanto, porque Rui Rio diz que o país cresce à boleia dos parceiros europeus e não estruturalmente. Mas por razões de modelo económico e não de má consolidação (ver ponto seguinte).

3. Economia e redistribuição

Com a mesma crítica ao Governo que Passos fazia ("governar não é apenas distribuir simpatias e conceder-lhes mais direitos"), Rui citou um ex-chanceler alemão para marcar o seu caminho: "Se queremos chegar longe, temos que ser capazes de dar pequenos passos." Mas não foi ao concreto. Quanto ao modelo económico, também nada mudou no PSD: "O aumento do consumo privado deve ser a consequência do crescimento e não o seu principal motor."

4. Natalidade e terceira idade

Rui Rio escolheu priorizar dois temas sociais - o que, parecendo uma mudança, não é, porque Passos já tinha propostas sobre as duas e Cristas fez delas temas centrais. Na prática, o novo PSD quer mais conciliação das vidas profissional e familiar, maior "integração na família e na comunidade" - mas não vai mais longe do que prometer "prioridade" ao tema. Quanto à terceira idade, a promessa é de não os tirar do mercado de trabalho e de lhes dar "respostas capazes" quando perdem a sua autonomia. Ideias genéricas que terá de concretizar.

5. Segurança Social (uma palavra a menos)

Tal como Passos no último congresso, Rui Rio disse temer pela sustentabilidade do sistema. E, tal como ele, pediu uma reforma consensualizada. Passos nunca a concretizou - mas tinha sempre presente um caminho que Rui Rio omitiu: o do "plafonamento". Na campanha interna, Rio atreveu-se com uma ideia: uma componente variável das pensões, que dependa do ciclo económico. No congresso também não a referiu.

6. SNS: investir

Tal como vinha fazendo Passos, a saúde foi um mote sobretudo de crítica ao Governo, pelo desinvestimento. E sugeriu o que todos dizem: mais cuidadores informais, trabalhos hospitalares domiciliários, um reforço dos cuidados continuados integrados e paliativos. Em convivência com os privados - o que só distingue o PSD do BE e PCP.

7. Descentralização

No discurso de encerramento, Rui Rio não usou a palavra tabu: regionalizar. Mas aproximou-se do modelo, falando noutro modelo de organização territorial. Certo é que Rui Rio alinhará na conversa sobre descentralização, mesmo que tenha avisado na campanha que tinha recebido muitas críticas à proposta do Governo. De concreto, no congresso, só uma ideia: institutos, TC e provedoria fora de Lisboa - com tempo, não já. E tudo deve ser feito "com estudos sérios, sem tabus, com racionalidade".

8. Reforma da Justiça (a ruptura anunciada)

Rui Rio acha que os interesses corporativos se estão a sobrepor ao interesse geral e quer mudar as coisas. Em quê? Há pontos pacíficos: mais meios, recursos tecnológicos, melhor qualidade legislativa. E pontos em que não haverá paz: mudanças no segredo de justiça (para o apertar), mais transparência, melhor escrutínio - combatendo "a politização da Justiça". Isto abre uma discussão que o PS não podia lançar, preso pelo caso Sócrates. E desafia muito o pensamento instalado no PSD. A nomeação da ex-bastonária Elina Fraga para a direcção (que mereceu vaias do congresso) é só uma cereja no topo do bolo. Mas só com as propostas concretas essa guerra se vai abrir.

9. Sistema político (e o PSD)

Chegou com o discurso de arranque do congresso, mas ficou por aí - e pela identificação de um problema: o afastamento dos cidadãos. Aqui, as pistas ficam-se nas intenções de Rio relativamente ao próprio PSD: mudar o financiamento interno, contas equilibradas, recursos optimizados, fiscalização independente - e "substituir o veto de gaveta a novos militantes pela entrada livre de todos os portugueses" (o que é claramente um aviso às distritais e seus líderes). O que vai acontecer, só nas cenas dos próximos capítulos.



Fim

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