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22 de Março de 2011 - 16h29

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Assembleia da República
Transparência do trabalho parlamentar tem de "ser a regra"
Por Maria Lopes

Trigo Pereira lança site para mostrar trabalho na AR "por dentro". O escrutínio do eleitorado pressiona para um melhor desempenho e esse é o primeiro passo para a reforma do sistema político

O deputado independente eleito nas listas do PS Paulo Trigo Pereira lança esta quarta-feira um site onde reúne toda a documentação sobre a sua vida parlamentar, desde sentidos e declarações de voto até pareceres seus como relator de diplomas que dão entrada na Assembleia da República, passando por artigos de reflexão sobre temáticas actualmente em discussão ou que a breve prazo o Parlamento terá que se pronunciar, como a revisão constitucional ou o sistema eleitoral.

Na base da sua iniciativa está a ideia de que o trabalho de um deputado deve ser o mais transparente possível e o objectivo de permitir um "maior escrutínio do eleitorado e da comunicação social ao desempenho parlamentar dos eleitos", diz ao PÚBLICO o independente da lista do PS por Setúbal. "Há um movimento global de reforço da transparência no exercício de cargos políticos e públicos. O Parlamento nacional é relativamente transparente e está a discutir mecanismos para aumentar o grau de transparência."

Para além do Parlamento Digital, um projecto lançado por Ferro Rodrigues que tenciona tornar a Assembleia da República mais próxima dos cidadãos através das plataformas digitais, está em actividade há mais de ano e meio a Comissão para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, que Trigo Pereira integra. "Nunca existirá, nem é desejável uma transparência total, mas o caminho para ela tem de passar a ser a regra", defende o deputado. Mas é essencial um esforço nesse sentido. Por isso estão a ser revistos, por exemplo, os regimes sobre conduta, conflito de interesses, controlo público de riqueza e incompatibilidades dos deputados - e a respectiva fiscalização ou então a legislação "não servirá para nada" - e será pela primeira vez regulada a actividade de lobby em Portugal.

"Sou essencialmente professor e estou político há dois anos. Abri uma fase transitória na minha vida e este site é uma janela também para ela", justifica o deputado socialista sobre a página que ficará disponível depois de amanhã em www.trigopereira.pt. Além da sua "pegada parlamentar e legislativa", ali ficarão disponíveis, além de artigos seus, alguns policy papers relevantes para o debate de matérias no Parlamento. Lado a lado, com a sua vertente académica e de activista.

"Sinto necessidade de articular a reflexão académica com a intervenção política." Até porque, diz, esta ponte não existe muito no trabalho de análise legislativa parlamentar. Nestes dois anos apercebeu-se de que "muitas vezes os debates não são muito fundamentados tecnicamente. Há assuntos que são muito complexos e os deputados não têm que ser especialistas técnicos em múltiplas matérias." Por exemplo, apesar de estar a ser estudada a forma de avaliar o impacto de género da legislação, ainda não se faz a análise do impacto social e económico das leis que se aprovam.

É verdade que os deputados fazem inúmeras audições, que têm o apoio dos assessores da bancada para as comissões, mas Trigo Pereira defende que cada um dos 230 parlamentares devia ter um assessor. "É mais importante aumentar a qualidade do trabalho dos deputados do que a quantidade, ou do que mexer na dimensão do plenário", aponta, admitindo haver "ineficiência técnica no Parlamento".

A reforma do sistema eleitoral é, aliás, um tema que Trigo Pereira gostaria de ver incluído no programa eleitoral do PS em 2019 e que pretende trabalhar nos próximos dois anos - e não passa necessariamente pela redução de deputados, como chegou a apontar o PSD. "A reforma do sistema eleitoral é essencial para a reforma do sistema político e só será feita se a sociedade civil pressionar os partidos políticos para a fazer."

A contribuição dos deputados para uma outra forma de a sociedade olhar a política passa pela "dignificação do trabalho parlamentar", o que inclui discutir as questões bem documentados. O deputado lembra que há partidos que defendem a saída de Portugal do euro: um "debate sério tem que incluir argumentação técnica; não basta dizer "vamos sair", é preciso dizer como se sai, quanto custa e o que se faz depois". Ou seja, é preciso fundamentar e ser-se responsável nas propostas.

Neste campo, Paulo Trigo Pereira elogia a "forma diferente de fazer política que o PS implementou". Como? "Desenhou o seu cenário macroeconómico, fez o programa para a década, o de Governo e os acordos parlamentares, e tem cumprido as suas propostas. A descredibilização total da política é prometer, ir a votos e depois fazer o contrário", como aconteceu com José Sócrates e Pedro Passos Coelho, aponta. "O que nos deve preocupar é a eficiência da AR e não a sua dimensão. Podia produzir mais se tivesse mais deputados em exclusividade. Eu defendo uma solução de compromisso que incentive a exclusividade." Que podia passar pelo aumento do valor pago pela exclusividade (que é hoje de 300 euros mensais, cerca de 10% do salário-base, quando na universidade essa quota é de um terço) com redução da remuneração-base. "Se um deputado está a 100%, isso deve ser valorizado salarialmente, assim como o apoio ao seu trabalho, com assessoria."

Paulo Trigo Pereira considera que as compatibilidades entre o exercício da função de deputado e outras profissões deviam ser mais restringidas. Por exemplo, "ser presidente de junta de freguesia é muito trabalhoso" e essa acumulação é permitida - na bancada do PS há pelo menos dois. "Eu estou cá a 100% e o tempo não me chega para tudo!"

O desalinhado

Outra área em que pretende investir é no estudo da revisão constitucional. A dissolução da AR com a queda do Governo de José Sócrates deixaram pendurada a última tentativa de revisão e há 12 anos que o texto fundamental não é mexido. Há matérias incontornáveis, aponta o deputado: incluir uma norma sobre a limitação da dívida pública, "não muito rígida mas que introduza a questão das gerações futuras"; retirar o método de Hondt do sistema eleitoral; ajustar questões tributárias das regiões autónomas; ou até mesmo reduzir o tamanho do texto, que tem "demasiados detalhes". Paulo Trigo Pereira pretende que o seu site acabe por ser também um veículo para a discussão aprofundada destes temas.

O que mais lhe custou quando "aterrou" no Parlamento vindo da universidade foi habituar-se à "retórica parlamentar". Pediu a defesa da honra duas vezes quando o acusaram de "desonestidade intelectual". Não é sem vaidade que lidera o top dos "desalinhados", os deputados que mais vezes votaram em sentido oposto ao da respectiva bancada - 45, no seu caso.

Defende a disciplina de voto nas questões do programa eleitoral, moções de censura e confiança, mas recorrendo sempre à declaração de voto quando discorda. "Em tudo o resto deve vigorar a liberdade", defende. "Se ando a ensinar, a escrever e a intervir com uma linha de pensamento não vou chegar aqui e votar ao contrário do que ensino, escrevo e acredito. Sou académico, estou político - e tento nunca me esquecer disso."

Helena Roseta, a política de habitação e a black box da AR


Fim

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