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22 de Março de 2011 - 16h29

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Vaticano
Expulsão de ex-cardeal sugere que para o Papa não há intocáveis
Por António Saraiva Lima

Acusado de abusos sexuais, Theodore McCarrick é o primeiro cardeal destituído do sacerdócio em quase cem anos. Decisão antecede cimeira no Vaticano sobre encobrimento de crimes sexuais na Igreja Católica

Já ninguém é intocável. Parece ser esta a mensagem enviada ontem pelo Papa Francisco para dentro e para fora da Igreja Católica, depois de o Vaticano ter anunciado a expulsão de Theodore McCarrick do sacerdócio, em vésperas de uma cimeira inédita para debater os abusos sexuais e o seu encobrimento pela Igreja.

Acusado de crimes sexuais contra menores e adultos, ao longo de décadas, o ex-cardeal e arcebispo de Washington D.C., nos Estados Unidos, tornou-se no primeiro detentor de uma posição de topo na hierarquia católica, em quase cem anos, a ser reduzido ao estado laico.

Aos 88 anos, e depois de já ter sido despojado do título de cardeal em Julho, na sequência de uma denúncia, com quase 50 anos, de abuso sexual de um rapaz de 16, McCarrick perde o direito de se auto-intitular padre, deixa de poder celebrar sacramentos e fica privado de todos os benefícios financeiros e de habitação que gozava por pertencer à Igreja. "Há poucos meses, era cardeal, hoje é o Sr. McCarrick. É uma humilhação inimaginável naquele mundo [da Igreja Católica]", garante ao TheWashington Post Davide Cito, especialista em Direito Canónico da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, em Roma.

McCarrick havia sido notificado da decisão do Papa no início de Janeiro e apresentou recurso. Mas este foi rejeitado pela Congregação para a Doutrina da Fé. Segundo o comunicado divulgado pelo Vaticano, o ex-cardeal foi julgado e considerado culpado por práticas "pecaminosas com menores e adultos" e por "solicitação" - um crime que define como uma situação em que um padre comete um acto imoral com um penitente durante a confissão. Ambos os crimes, diz a Igreja, têm a agravante de terem sido resultado de circunstâncias de "abuso de poder".

Os casos de padres expulsos ou suspensos, por denúncias de crimes sexuais, são comuns. Mas desde a renúncia ao cargo do cardeal francês Louis Billot - devido a ligações ao movimento de extrema-direita Action Française -, em 1927, que nenhuma figura de topo da Igreja Católica era desapossada do seu estatuto. No que toca à expulsão por abusos sexuais, McCarrick é uma estreia.

"Quase revolucionário"

Kurt Martens, professor de Direito Canónico na Universidade Católica da América (Washington), vê na decisão contra McCarrick uma tomada de posição "quase revolucionária" do Papa. "Bispos e antigos cardeais deixaram de ser imunes ao castigo e a reverência do passado deixa de se aplicar", disse ao TheNew York Times. "É um momento sísmico, uma mensagem clara. O #MeToo chegou à Igreja", escreveu no Twitter Austen Ivereigh, biógrafo do Papa. 

Pressionado a aplicar a sua visão mais progressista do papel da Igreja à denúncia de abusos sexuais por membros do clero, Francisco assumiu a sua determinação em identificar e condenar este tipo de crimes no Verão de 2018 - depois de um ex--núncio nos EUA o acusar de ter tido conhecimento das denúncias contra McCarrick há cinco anos e numa altura em que se atropelavam nos media relatos de encobrimento das autoridades eclesiásticas a abusos nos EUA, no Chile, na Irlanda e na Austrália.

Numa carta aberta, em Agosto, o Papa admitiu "vergonha e arrependimento" pela forma como a Igreja lidou com os crimes e pediu a ajuda de todos os católicos para eliminar "esta cultura de morte".

Foi imbuído por esse sentido de missão que convocou mais de 150 líderes das conferências episcopais de todo o mundo para um encontro, que se realizará entre 21 e 24, no Vaticano, e onde serão discutidas estratégias para responder a um dos maiores flagelos dentro da instituição. 

O castigo a McCarrick a menos de uma semana da cimeira inédita não parece, por isso, uma coincidência. "Francisco entende claramente que o abuso sexual é um abuso de poder. E não poderia ter enviado um sinal mais claro que este", afiança Ivereigh.

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