Portugueses e agentes secretos da Coroa?

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Fernão de Magalhães e Cristóvão Colombo eram portugueses e cada um teve uma agenda secreta enquanto esteve ao serviço de Espanha. É a tese, polémica, que os irmãos José e António Mattos e Silva apresentam hoje em conferência no Museu do Oriente. Há uma história. E provas? "Estão à espera que haja uma lista de espiões para ser encontrada?"

Em 2009, José Mattos e Silva decide escrever um artigo sobre o computador Magalhães e pede ao irmão António algumas notas biográficas sobre o navegador português com o mesmo nome. Ficou muito admirado com a resposta: havia vários na mesma geração e não se sabe qual foi o navegador. "É o português mais conhecido no mundo e não se sabe quem ele é?", interrogou-se. "Ficou-me dessa altura a ideia de que um dia teria de descobrir quem foi Fernão de Magalhães."

As investigações dos dois irmãos, engenheiros de formação e membros da Associação da Nobreza Histórica de Portugal - são descendentes por via bastarda do rei Afonso V -, levou-os até ao Arquivo Provincial de Huelva (Espanha). Encontraram ali documentos em que o navegador é referido como filho de Rodrigo de Magalhães e Alda de Mesquita e terá nascido em Gaia. "Essa filiação não se encontrava confirmada em Portugal e permitiu-nos solucionar um mistério que perdurava há mais de 500 anos", diz José Mattos e Silva ao P2.

Encorajados com este resultado, procuraram aprofundar o papel histórico de Magalhães e chegaram a uma tese: o navegador era um "agente secreto" ao serviço de Portugal na corte de Carlos V. "A sua missão era dar a conhecer aos espanhóis as ilhas Molucas, localizadas no Oceano Pacífico - que os portugueses supunham estar no hemisfério de influência espanhola -, através do contorno da extremidade Sul do continente americano", diz o investigador. "Prevendo-se dificuldades de acesso por essa rota, nomeadamente devido ao gelo e fortes ventos, a estratégia portuguesa era demonstrar a Espanha que seria mais vantajoso para Carlos V vender as Molucas a Portugal."

Segundo esta tese, o navegador teria partido com ordens estritas para regressar pelo mesmo caminho, o que só não aconteceu porque foi morto nas Filipinas. "Sebastião Del Cano assume o comando da expedição e, conhecedor das enormes dificuldades que teria de enfrentar se voltasse para trás, decide então seguir em frente e fazer a circum-navegação", conclui Mattos e Silva.

Em apoio das suas posições, os autores referem nomeadamente a existência de uma cópia do contrato assinado entre Magalhães e Carlos V nos arquivos do rei português Manuel I. Provavelmente foi entregue por Rui Faleiro, um dos signatários do acordo que à última hora veio a Portugal e foi preso como "desertor". Os irmãos Mattos e Silva lembram ainda que o rei espanhol hesitava em financiar a expedição de Magalhães, o que levou o rei português a enviar à corte espanhola um dos seus banqueiros, Cristóvão de Haro. Quando este anunciou que estava disposto a financiar sozinho a expedição, a coroa espanhola decidiu financiá-la em 75 por cento, ficando o remanescente a cargo do banqueiro.

Nascimento em Cuba

O caso de Cristóvão Colombo é mais complexo. Muito se escreveu já sobre a identidade deste navegador, dado como genovês, galego, português, corso e até polaco. Os irmãos Mattos e Silva defendem a nacionalidade portuguesa do navegador, mas consideram que o verdadeiro nome de Colombo (defendem a grafia Cristóvão Colon) seria Sancho Anes da Silva, nascido na vila alentejana de Cuba por volta de 1450. Era filho de João Meneses da Silva, futuro Beato Amadeu, e da infanta Leonor de Portugal, futura imperatriz do Império Romano-Germânico.

Na reconstituição do seu percurso biográfico, afirmam que foi "oficialmente" considerado filho de Diogo de Pedrosa e de Inês Gomes, de facto seus pais adoptivos, tendo-lhe sido dado o nome de Sancho de Pedrosa. Quando a sua mãe biológica viajou para Itália, onde celebrou casamento religioso com o imperador Frederico III, Colombo seguiu-a na companhia dos pais adoptivos. Ficou à guarda da família Colonna d"Appiano, à qual pertencia uma prima direita da infanta Leonor, o que explicaria o seu nome.

José e António Mattos e Silva defendem que Colombo terá regressado a Portugal cerca de 1468, um ano depois da morte da mãe biológica, data em que Sancho de Pedrosa/Colombo recebeu uma bolsa de estudos a partir de 1469.

"A razão de ser do mistério que envolve a identidade de Colombo tem a sua explicação no facto de ter sido fruto de amores proibidos, que começaram a ser revelados por Duarte Nunes de Leão, um historiador do século XVI, cerca de 60 anos após a morte do navegador", diz José Mattos e Silva.

Colombo nasceu quando estavam em curso negociações muito avançadas para o casamento da infanta portuguesa com Frederico III, que viria a realizar-se em 1451 por procuração. "É evidente que se Frederico III soubesse que D. Leonor já tinha um filho antes do casamento, não teria casado com ela, o que seria muito prejudicial para a política portuguesa de aliança com um importante Estado do Centro da Europa."

Primo da rainha

Ao analisarem os documentos relacionados com a infanta Leonor, os dois investigadores passaram a pente fino o contrato de casamento feito entre as duas cortes. "É uma das peças mais bem-feitas que já vi", explica José Mattos e Silva. "Tem tudo previsto e contratualizado ao pormenor e saltou-nos à vista o que é designado por "doação matutina", o prémio que o marido daria à mulher se se constatasse na noite de núpcias que ela era virgem. Esta cláusula fica ao critério do imperador. Tudo está regulado menos a questão da virgindade... Acaso? Talvez não..."

Outra prova que corrobora esta teoria é o facto de o Beato Amadeu usar na sua indumentária o lema Ignoto Deo. Explica Mattos e Silva: "Traduzido à letra, significaria Deus Desconhecido. Como, para um franciscano, Deus não era, seguramente, um desconhecido, há que procurar outra interpretação. Como Deus é sinónimo de Pai, a frase quereria significar Pai Incógnito, pois o Beato não podia, oficialmente, assumir a paternidade do seu filho Colombo."

O navegador é enviado para Espanha para apresentar os seus "serviços" aos Reis Católicos. Os irmãos Mattos e Silva vêem nessa iniciativa um passo fundamental na estratégia de "distrair" os espanhóis com viagens para ocidente, supostamente à procura da Índia, enquanto Portugal preparava o contorno do Sul de África, numa rota para a Índia por oriente. "As três primeiras viagens de Colombo situam-se num período entre 1492 e 1500. Sabe-se que, quando os portugueses navegavam no Atlântico para sul, os ventos tropicais os impeliam para perto das costas brasileiras, razão pela qual Portugal já conhecia o Brasil muito antes do "achamento" em 1500. Enquanto Colombo fazia a sua terceira viagem para o continente norte-americano, Vasco da Gama chegava à Índia e Cabral "descobria oficialmente" o Brasil."

O que faz os investigadores concluírem inequivocamente que o navegador era um agente secreto português é o que acontece no final da sua primeira viagem à América. No regresso, Colombo passa pelos Açores e vem directo a Lisboa enquanto a outra nau segue uma rota normal para Espanha. Diz António Mattos e Silva:

"O rei João II está em Vale do Paraíso e manda um emissário, o que não faz sentido se ele fosse, como diz a doutrina oficial, um traidor a trabalhar para outro rei. Ora, João II acolhe-o lindamente e Colombo faz questão de ir ao Convento de Santo António da Castanheira (Vila Franca) antes de seguir para Lisboa. Não era costume as rainhas receberem os navegadores na ausência do rei. Recebeu-o porque era prima direita dele. Colombo não podia ser tecelão, até porque o filho de um tecelão de Génova não tem os conhecimentos religiosos, culturais, linguísticos e de navegação que aquele homem revela, com a sua educação espantosa. Não podia ser filho de um zé-ninguém!"

Teses polémicas

Como tem reagido a comunidade científica a estas teses? "Em substância, o que os historiadores quase nos disseram é que só podiam acreditar na nossa teoria de que Fernão de Magalhães era um agente secreto quando fosse encontrado o documento que o comprova. A nossa resposta é simples: estão à espera que haja uma lista de espiões para ser encontrada?", responde António Mattos e Silva. "Há coisas que não se escrevem ou quando se escrevem é para dizer exactamente o inverso. Nós andámos à procura do bilhete de identidade de Magalhães, mas no caso de Colombo não sei se algum dia aparecerá alguma coisa em apoio a qualquer uma das teorias em causa. Mas isso não é razão para ficar definitivamente agarrado à tese de que ele era genovês."

O seu irmão é mais incisivo: "A minha experiência com historiadores é que eles são crédulos. Ou seja, perante um documento, tomam-no por bom esquecendo que neste período das Descobertas existia, como nunca mais terá havido em Portugal, um sigilo brutal. O que se sabe é o que os cronistas escreveram, que é aquilo que os reis queriam que se escrevesse mas que pode não ser a verdade. É apenas a verdade oficial. Ou seja, temos que verificar tudo, já que a dúvida sistemática, que alimenta a ciência, é uma contradição em relação à História."

Os irmãos Mattos e Silva têm apostado na divulgação das suas posições em revistas da especialidade e através da auto-edição, tendo distribuído até ao momento dois volumes dos seus Casos da História, onde sistematizam todos os documentos, razões e argumentos em defesa das suas teses. A realização de conferências é outra via usada. Na que vão fazer esta tarde, no Museu do Oriente, propõem-se desafiar a audiência com uma hipótese controversa: os quatro portugueses (Colombo, Gama, Cabral e Magalhães) foram os precursores da globalização?

Lembram que há mais de 500 anos, a resposta portuguesa foi o mar. O primeiro passo foi criar bases e plataformas logísticas (Ceuta e outras praças no Norte de África, Madeira, Açores, etc.), impedindo ao mesmo tempo que os espanhóis descessem abaixo das Canárias. O segundo momento do projecto português de domínio do mundo foi, na óptica dos dois investigadores, atingir a zona da Costa da Mina, importante para a obtenção de ouro e escravos.

O terceiro capítulo dessa estratégia consistiu na descoberta do caminho marítimo para a Índia, permitindo interceptar as principais rotas comerciais para a Europa. Daí até às Molucas e ao controlo do comércio das especiarias foi um passo. A posse do Brasil completou o quadro.

Remata José Mattos e Silva: "Para o desenvolvimento desta estratégia foram usados dois "funcionários públicos" (Gama e Cabral) e dois "agentes secretos" (Colombo e Magalhães). Esta estratégia era um desígnio de Estado, algo que hoje não existe. O paradigma é o mesmo: a Europa não dá, vamos para fora. A diferença em relação há 500 anos é que naquele tempo saímos como conquistadores e pusemos as populações locais a trabalhar para nós, enquanto hoje saímos para trabalhar para elas."

Colon, Gama, Cabral e Magalhães: quatro portugueses precursores da globalização?

Conferência de José Mattos e Silva e António Mattos e Silva. Museu do Oriente, Sala Beijing. Avenida Brasília (Lisboa), hoje, 18h30

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