Mais de metade dos jovens bascos não querem ter uma vítima da ETA como vizinho

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A ETA decretou uma trégua

"O País Basco sofre um profundo síndroma de Estocolmo", denuncia Maite Pagaza, representante da Federação de Vítimas do Terrorismo

Mais de metade dos jovens bascos - 51 por cento - não querem ter como vizinho uma vítima da ETA, segundo um recente estudo do Gabinete de Prospecção Sociológica do Governo de Euskadi. Em Retratos da juventude e cultura democrática", um trabalho encomendado pelo Observatório da Juventude do País Basco, aparecem opiniões e atitudes de jovens, entre os 15 e os 29 anos, que inquietam os especialistas e alarmam as associações de vítimas. Dos 1326 inquiridos, um terço preferiu o silêncio a dar a sua opinião.

Em plena trégua de ETA, e numa altura em que os políticos bascos admitem o princípio do fim da organização terrorista, a juventude do País Basco parece estar distante do clima de normalidade divulgado pelos estados-maiores partidários: 51 por cento dos inquiridos não gostariam de ter uma vítima da ETA a viver junto de si, e 55 em cada 100 afirmam o mesmo se o vizinho fosse um terrorista. Valores aproximados, que traduzem a tradicional equidistância entre verdugo e vítima denunciada pelos sociólogos no tradicional comportamento da sociedade basca. Aliás, a recusa em viver junto a um ameaçado pelos etarras supera o nível de rejeição detectado na sondagem se o vizinho fosse um toxicodependente - 48 por cento - ou tivesse antecedentes criminais, 46 em casa 100.

Este estudo revela também que 71 por cento dos inquiridos não consideram que as vítimas do terrorismo mereçam ser ajudadas e detectou a manutenção de uma minoria recalcitrante que apoia ou justifica a violência da ETA. São cerca de 30 mil os jovens de Euskadi que simpatizam com a organização terrorista, embora metade reconheça que os seus atentados não são bons para a o País Basco.

"A sociedade basca sofre de um síndroma profundo de Estocolmo, continua a haver um estigma sobre as vítimas, apesar de alguns actos recentes de reconhecimento", diz, ao PÚBLICO, Maite Pagaza, da Federação de Vítimas do Terrorismo. "Estamos numa borbulha transparente, somos visíveis, mas não se interessam por nós", prossegue. Maite refere que há uma resistência dos sectores nacionalistas aos programas de educação cívica e de valores iniciados pelo actual executivo socialista: "Para uma boa parte da sociedade basca, os seus desejos políticos são mais importantes que os nossos direitos". As vítimas temem que a radicalidade da luta política no País Basco as confine ao esquecimento e imponha a aceitação da "memória conveniente" para o nacionalismo.

Para Maite Pagaza é muito preocupante que um terço dos jovens não tenha emitido a sua opinião. "O facto de uma população juvenil não ter ou não querer revelar a sua posição sobre os direitos humanos reflecte o comportamento dos adultos que não lhes deram instrumentos e valores para analisar, o que, do ponto de vista ético, é tremendo", lamenta. E termina com um desabafo: "Estou farta de que me perguntem se perdoo a morte de Joseba [seu irmão, antigo militante da ETA assassinado pela organização em 8 de Fevereiro de 2003], se ninguém me pede desculpa".

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