Ao contrário dos trabalhadores, gestores recebem por parâmetros internacionais

Foto
Cavaco tem tecido críticas

Numa altura em que o Governo aprova medidas de contenção para tentar travar o défice, os valores divulgados (nomeadamente o salário de António Mexia) fizeram estalar a polémica, com palavras como "imoralidade" e "obsceno" a dominarem alguns discursos. Cavaco Silva voltou a tocar na ferida durante as celebrações do 25 de Abril e relembrou o que já tinha dito em 2008, na sua mensagem de Ano Novo.

O Presidente da República questiona se os rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas não serão "muitas vezes injustificados e desproporcionados face aos salários médios". É a disparidade salarial que parece chocar muitos cidadãos, num país com salários médios mensais de 894 euros e onde 341 mil pessoas ganham o ordenado mínimo (475 euros).

Especialistas em pobreza como Carlos Farinha Rodrigues, economista do ISEG, lembram que Portugal é um dos Estados-membros com maiores índices de desigualdade económica da União Europeia. E este é um problema crónico. "Uma redução sustentada das desigualdades exige não apenas a melhoria das condições de vida dos grupos sociais mais vulneráveis, mas igualmente uma distribuição mais justa de todos os recursos gerados pela sociedade", disse recentemente numa conferência.

Carlos Duarte, que coordena a área científica de gestão na Escola Superior de Gestão de Tomar e tem dedicado os últimos anos a investigar as políticas de remuneração das empresas, diz ainda que os portugueses não reconhecem competências suficientes aos gestores que justifiquem os níveis de rendimento. "Então o que dizer dos representantes dos órgãos de soberania que auferem vencimentos mensais inferiores a dez mil euros e que estão a governar um país? Como entender que alguém seja remunerado pelas exorbitâncias que recebe se estão "apenas" a gerir uma empresa?", questiona, de forma crítica.

Carlos Duarte fala mesmo de um "clube restrito", cujos membros frequentaram as mesmas escolas, pertencem aos mesmos directórios e associações académicas ou são nomeados politicamente.

Os próprios gestores têm consciência da disparidade salarial. Quando, em 2009, o Instituto de Corporate Governance defendeu a divulgação da remuneração individual, Jardim Gonçalves, fundador do BCP, contestou a medida porque podia "perturbar a coesão social." Contudo, do lado das empresas, está fora de questão não premiar os executivos quando os resultados do negócio provam que fizeram um bom trabalho. Luís Reis, administrador-delegado da consultora Hay Group, recorda que os CEO das cotadas trabalham num contexto internacional e, por isso, têm salários alinhados com o mercado europeu. "Lembro que mesmo as ditas empresas monopolistas têm bem mais de metade do seu portefólio de negócios fora de Portugal, onde certamente não operam monopólios", acrescenta.

Por outro lado, saber quanto ganha Luís Palha da Silva, da Jerónimo Martins, ou Rodrigo Costa, da Zon, facilita a comparação e as organizações podem de forma mais fiel definir uma política de compensação com base em exercícios de benchmark, diz Diogo Alarcão, responsável pela consultora Mercer.

Ao contrário do que se passa com os salários da generalidade dos trabalhadores, o dos administradores executivos é definido por parâmetros internacionais. Significa que, por exemplo, Ana Maria Fernandes, a CEO da EDP Renováveis, está a competir numa escala mundial e se for cobiçada por uma multinacional terá de dar provas de desempenho semelhantes às que hoje é obrigada a dar na empresa. Luís Reis explica que um colaborador menos qualificado tem menos hipóteses de poder operar em qualquer país do mundo e terá de se limitar às leis do mercado interno do próprio país. "Há que requalificar rapidamente os trabalhadores portugueses nos sectores e áreas que se espera que venham a crescer no futuro", defende o administrador-delegado do Hay Group.

Até que a disparidade salarial seja reduzida, a polémica parece ser inevitável.

Sugerir correcção