Rendimentos de capitais de 80 milhões podem escapar ao imposto extraordinário

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Os dividendos e os juros de aplicações financeiras não terão de pagar o novo imposto. Fiscalistas dizem que deveria ser universal

O novo imposto extraordinário, que irá retirar aos trabalhadores dependentes e pensionistas o equivalente a 50 por cento do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional, não vai atingir todos os bolsos. Os rendimentos de capital, como os dividendos e os juros de aplicações financeiras (depósitos, por exemplo), não deverão pagar a "contribuição especial" anunciada na quinta-feira pelo Governo. Cerca de 80 milhões de euros podem, assim, deixar de ser tributados.

Tal como o PÚBLICO já tinha noticiado ontem, a nova medida de austeridade pode deixar de fora algumas categorias de rendimento que não são obrigadas a englobamento no IRS. O detalhe técnico do novo imposto só será apresentado pelo Governo nas próximas duas semanas mas, segundo os fiscalistas contactados pelo PÚBLICO, o facto de o executivo ter referido que o imposto incidirá sobre os "rendimentos sujeitos a englobamento" indica que a maioria dos rendimentos de capital deve ficar de fora. O PÚBLICO questionou o Governo sobre o tema, mas não obteve resposta.

Segundo os últimos dados disponibilizados pela Direcção-Geral dos Impostos e Contribuições, os rendimentos de capitais ascenderam a 78 milhões de euros em 2009, um valor elevado mas, ainda assim, uma pequena fatia do total de 85 mil milhões de rendimentos de IRS.

Subida de taxas?

"Seria desejável que esta medida fosse tomada para a generalidade dos rendimentos sujeitos a IRS", considera o fiscalista Vasco Valdez, que foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nos Governos de Cavaco Silva e Durão Barroso. Outro fiscalista, Rogério Ferreira, partilha da mesma opinião, dizendo que, "enquanto imposto excepcional e extraordinário, seria mais transversal se fosse aplicado a todos os rendimentos de IRS".

Os juros de aplicações financeiras (depósitos, dívida pública, fundos de investimento) e os dividendos são rendimentos de capital que podem ser tributados de uma de duas formas possíveis: ou através de uma liberatória ou englobando no IRS. No primeiro caso, a entidade pagadora dos juros ou dos lucros (banco ou empresa) retém à cabeça 21,5 por cento do pagamento e substitui-se ao sujeito passivo, ficando com a obrigação de entregar esse montante ao Estado. Se o contribuinte decidir englobar no IRS, a retenção do imposto é feita na mesma, mas passa a ter natureza de imposto por conta e, depois de entregue a declaração de rendimentos, o Estado faz o ajuste.

Segundo os fiscalistas consultados pelo PÚBLICO, a única forma de garantir que estes rendimentos de capital também participariam do novo esforço fiscal que está a ser pedido pelo Governo seria aumentar as taxas liberatórias. O anterior executivo socialista já o fez, em Junho do ano passado, no segundo Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC 2), subindo a taxa liberatória de 20 para 21,5 por cento. É, contudo, uma medida que provoca sempre alguma polémica, devido ao possível impacto sobre a atractividade de capitais.

"Num momento em que o país precisa de dinheiro, a subida das taxas liberatórias poderia provocar uma fuga de capitais", alerta Vasco Valdez, admitindo, contudo, que, "numa pura lógica jurídica e de igualdade dos cidadãos, não faz sentido tributar uns rendimentos e outros não".

Além das dúvidas sobre se os rendimentos de capital serão ou não tributados de alguma forma no âmbito deste novo imposto, não é ainda claro como é que esta contribuição especial será paga e quando. Para os trabalhadores dependentes e os pensionistas, do sector público e privado, o imposto equivale a um corte de 50 por cento do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional (485 euros). Ou seja, só serão cortados os salários e pensões acima desse valor e o montante que será tributado também só será acima desse valor.

Uma pessoa que ganhe 1000 euros, por exemplo, apenas terá de pagar imposto sobre a diferença entre o seu salário e o salário mínimo, o que dá cerca de 258 euros. Para este cálculo, não entra só o salário-base mas todos os outros rendimentos, como subsídios de função, isenção de horário ou prémios.

Ainda não se sabe como o Estado irá proceder à cobrança deste imposto, mas o mais provável é que, no caso dos trabalhadores dependentes e pensionistas, proceda a uma retenção na fonte em Novembro ou Dezembro, pelo que o subsídio de Natal chegará menor aos contribuintes.

Para outros rendimentos - de trabalhadores independentes (recibos verdes), rendimentos comerciais, industriais e agrícolas, rendimentos prediais (rendas de imóveis) e mais-valias -, o novo imposto poderá ser aplicado de várias formas.

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