A aldeia dos macacos

Foto

Já não se deve considerar que a extraordinária palhaçada de Isaltino de Morais, esse benemérito, entrar e sair da cadeia em menos de 24 horas seja um acontecimento anormal na vida portuguesa. Nem achar estranho que Duarte Lima, antigo presidente do grupo parlamentar do PSD e homem de confiança de Cavaco, seja agora suspeito de assassínio; ou que a polícia resolva investigar outra vez o sr. Vara (ninguém sabe ao certo porquê, mas dizem que por causa de um "assalto" ao BCP do governo Sócrates). Para notícias do dia, nenhuma destas avarias excede o tom geral da televisão e dos jornais, que lá nos vão contando sem muito entusiasmo a história de um país que não se percebe como sobrevive. Mas quando chega ao dinheirinho e ao ministro da Finanças, o caso muda de figura.

O sr. ministro das Finanças veio ontem explicar aos portugueses que o "seu" défice público se agravou para 8,9 por cento do PIB no segundo trimestre deste ano (tinha sido 7,7 no primeiro trimestre) e que Portugal está em risco de não chegar a Dezembro com os 5,9 por cento que prometeu à troika. Nem Vítor Gaspar, nem Passos Coelho desceram à indignidade de explicar ao país de onde vinham os 8,9 por cento. É um alto mistério do Estado que a populaça não precisa de sondar. Basta que fique prevenida. Verdade que um ministro não-identificado, como convém, insinuou que Sócrates era ainda o culpado, porque até Junho permitira um tremendíssimo "regabofe". O bode expiatório começa a recuar no tempo e não tardará que, como na República, acabe por ser o infante D. Henrique que nos desabituou de trabalhar e fez de nós uma incorrigível cambada de ladrões.

Na sua sabedoria, a Assembleia da República deu, de resto, com a "lei do enriquecimento ilícito", um simpático contributo para a ladroeira ilícita. Daqui para diante, polícias de uniforme ou sem uniforme, no fundo qualquer cidadão zeloso, pode dedicar a sua vida a espiolhar a vida do próximo para descobrir a) se ele é rico e b) se enriqueceu ilicitamente. O resultado deste regresso colectivo aos "romances de aventuras" da nossa adolescência, com outra tecnologia e com o tempero cívico da denúncia será depois examinado pela Procuradoria-Geral da República de modo a paralisar para sempre o sistema de justiça. Por mim, não conheço ricos, mas se os conhecesse suponho que amanhã não encontraria um único em Portugal. Só cá fica quem não consegue fugir.

Sugerir correcção