Tudo começou com quatro irmãos em busca de mais música

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No festival OuTonalidades há uma rede de concertos que leva 25 grupos de Norte a Sul de Portugal e também à Galiza. Em cima, espectáculo fotografias léa lópez e andré brandão/cortesia d"orfeu

A d"Orfeu celebra 15 anos e celebra mais que isso. Uma paixão musical que extravasou a música e se transformou em vitória associativa

Diz-se que em Águeda, se dermos um pontapé numa pedra, aparece um músico. Não devemos desconfiar da sabedoria popular. Com cerca de 15 mil habitantes, a cidade tem 17 grupos folclóricos, cinco bandas filarmónicas, seis orfeões. A história da d"Orfeu, a associação que entende a música como plataforma multidisciplinar - é formadora, promotora, produtora de concertos -, começa como convém a uma urbe com tal pedigree. Mas já lá vamos.

Daqui a dois dias, a 4 de Dezembro, celebra 15 anos de história. Vai haver festa. Amanhã, a inauguração de uma exposição comemorativa na Biblioteca Municipal Manuel Alegre. Sábado, no dia de aniversário, o Auditório Cefas acolhe a apresentação de Contexto e Significado, livro/DVD que conta e contextualiza a história da associação - depois, tudo para a sede, na Rua Engenheiro Júlio Portela, para festejar de acordo com o espírito da d"Orfeu: boa comida e bebida e música gerada espontaneamente pelos presentes.

Celebra-se década e meia em que a d"Orfeu cresceu de associação amadora a instituição marcante da música popular portuguesa, formando uma nova geração de músicos (com o foco na preservação das suas raízes musicais, mas numa lógica aberta ao futuro e a novas contaminações) e promovendo um intenso trabalho de parcerias que junta associações da região, além dela e do país: neste momento decorre o festival OuTonalidades, rede de concertos (70) que leva 25 grupos de Norte a Sul do território português, com subida à Galiza. Há 15 anos, isto seria impossível.

Há 15 anos, como lemos em Contexto e vemos em Significado, existiam quatro irmãos. Luís, Artur, Vítor Óscar (conhecido por Bitocas) e Rogério Fernandes Quatro irmãos músicos. O pai David tocava concertina e o tio Américo, figura importante da música local enquanto maestro e fundador da Orquestra Típica, foi o primeiro formador do "quarteto". Não surpreende portanto que os quatro irmãos tenham percurso musical vincado - Artur é um dos Danças Ocultas, Luís fundou os Toques do Caramulo, Vítor Óscar esteve na génese dos Drumming ou Tocá Rufar e Rogério dedica-se ao ensino e é, seguindo os passos do tio, maestro da Orquestra Típica. E a d"Orfeu? A palavra ao coordenador geral Luís Fernandes, com quem conversámos por telefone. Apanhámo-lo no Brasil, em Curitiba, onde foi conhecer a Olaria, associação que se dedica à divulgação, preservação e recuperação da música e instrumentais tradicionais.

A rede d"Orfeu estende-se cada vez mais longe. Recorda: "Estávamos ligados aos grupos tradicionais, aos folclóricos e aos de garagem e sentíamos que faltava abrir horizontes, que havia uma cultura estereotipada há décadas. Reunimos esforços para fazer algo da nossa lavra e fizemos uma escola de música tradicional que, paradoxalmente, começou por dar formação aos músicos tradicionais."

De Águeda para o mundo

Começaram pela formação, mas rapidamente sonharam mais alto: organizar espectáculos e festivais, envolvendo a cidade e a região - ainda para mais, tinham do outro lado da serra do Caramulo, em Tondela, o exemplo do Trigo Limpo Teatro Acert.

A d"Orfeu nasceu com quatro irmãos mas, como acentua Luís, essa concentração familiar foi-se diluindo ao longo dos anos. Como afirma em Contexto Rui Oliveira, técnico de som dos espectáculos da associação, responsável pelo seu estúdio e pela sua recente editora, a d"Eurídice, "um dos grandes objectivos da d"Orfeu é o de quebrar barreiras, abrir espaços de diálogo entre géneros musicais diferentes e entre formas artísticas e estéticas diferentes".

Nos primeiros cinco anos, explica Luís Fernandes, "não havia estrutura profissional". Em 2000, "começa o processo de profissionalização que se mantém até hoje, com uma estrutura base de oito a dez pessoas". E, nos últimos cinco anos, "chegou o apoio municipal", que permitiu avançar para maiores produções.

Hoje, a d"Orfeu é um símbolo acarinhado pela cidade de Águeda e respeitado fora dela. Falámos do OuTonalidades, mas existe também o Gesto Orelhudo, festival performativo de música e humor, que leva a Águeda artistas de todo o mundo, numa celebração multicultural através do riso. Existe o Festim - festival intermunicipal de músicas do mundo que, em 2009, apresentou em cartaz Hermeto Pascoal ou Kepa Junkera. E existe o Rio Povo, espectáculo de dimensões épicas que envolve 400 músicos e actores de 20 associações, celebrando e recontextualizando as tradições da zona. Tudo feito seguindo a matriz original: "A criação de sinergias através do modelo associativo. Se for para programar concertos dos Rolling Stones", acentua Luís, "a d"Orfeu deixará de existir."

Hoje pode falar-se de uma "geração d"Orfeu": "O público começa a ser os filhos dos nossos primeiros espectadores e os novos alunos são filhos dos primeiros alunos." Os elogios ao seu trabalho vêm de associações que se tornaram "irmãs", como a eborense Pé de Xumbo ou a portuense Contagiarte, vêm de Sérgio Godinho ou de Carlos Guerreiro, dos Gaiteiros de Lisboa, que lhe prestam tributo em Contexto.

Em 1995, quatro irmãos juntaram-se para dar vida renovada à tradição, para procurar e revelar "todo um mundo por descobrir lá fora". Quinze anos depois, a associação junta bem mais gente de bem mais lugares.

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