Na Internet ou no papel, o futuro não será igual para todos os jornais

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As receitas do papel, mesmo em queda, são ainda que mais contam ENRIC VIVES-RUBIO

Já não há um modelo de negócio único na imprensa. As plataformas digitais viraram a indústria ao contrário e, para sobreviver, as empresas procuram novos caminhos

O diário britânico The Guardian e o dominical The Observer (ambos da mesma empresa) abandonaram este fim-de-semana a venda de edições impressas fora do Reino Unido e da Irlanda. A decisão significa um corte de 7,2 por cento na tiragem do Guardian (que ronda os 263 mil exemplares diários) e de seis por cento na do Observer (293 mil exemplares). A medida é um dos primeiros passos na estratégia anunciada em Junho de remodelar a edição impressa (metade dos leitores, diz o Guardian, lêem o jornal à noite) e de avançar para o que a empresa chama um modelo de "digital primeiro".

Os dois jornais perderam no ano passado 38,4 milhões de euros. Uma das metas é agora reduzir as perdas. Outra é duplicar as receitas digitais, alcançando os 116 milhões até 2016. O caminho do Guardian, porém, não é seguido por todos. No final de Setembro, Le Monde anunciou um aumento da circulação da edição impressa, desde o início do ano, na ordem dos 2,7 por cento. A subida surge em contraciclo com as tendências nos EUA e na Europa, que é o continente onde os jornais mais caem. Le Monde resolveu reforçar a oferta do fim-de-semana, numa estratégia que é também a de outros órgãos (o PÚBLICO está desde o fim de Junho a publicar uma edição especial aos domingos). O título francês redesenhou uma revista já existente, introduziu novos suplementos e contratou 30 jornalistas.

Também El País decidiu apostar recentemente na edição de fim-de-semana. E fê-lo olhando para nichos de mercado. O jornal passou a incluir páginas de moda, páginas de crónica social e um reforçado caderno sobre Madrid. Mas desistiu de um suplemento em papel dirigido a adolescentes e jovens adultos, relançando-o online, com outro nome. Caminhos diferentes. "Estamos a assistir a dois caminhos: um afastamento dos jornais das suas edições impressas e, em alguns casos, uma aposta no impresso para servir mercados específicos", explica ao PÚBLICO Ken Doctor, um ex-jornalista americano que é hoje analista de media e autor do livro Newsonomics: Twelve New Trends that Will Shape the News You Get (tradução livre: "Economia das notícias: 12 novas tendências que vão dar forma às notícias que recebe"). "A audiência dos jornais impressos ainda é forte, embora esteja a envelhecer, e certos produtos em suporte impresso fazem sentido", argumenta Doctor, acrescentando que "os patrocínios, em alternativa aos anúncios, estão a voltar" e que são cada vez mais frequentes patrocínios "para produtos editoriais específicos".

A actual situação da indústria, considera o especialista, está a deixar "confusos" os gestores dos media. Em parte, porque as previsões de crescimento das receitas de sites não corresponderam ao que era esperado - há alguns anos, havia no sector a ideia de que o evoluir do negócio dos jornais seria linear: as receitas dos sites aumentariam e compensariam as perdas nas edições impressas. Mas os conteúdos jornalísticos na Internet revelaram-se difíceis de rentabilizar. "As receitas do impresso - tanto vendas como publicidade - continuam a cair. O digital cresce, mas não o suficiente", observa Doctor. "Por isso estamos num período de transição. Estamos a avançar de um modelo que assentava no impresso e tinha um pouco de digital, para um modelo que, dentro de uns cinco anos, será sobretudo digital com um pouco de impresso."

A decisão mais difícil

Fechar ou não fechar? Mesmo dentro do digital, as estratégias divergem. Alguns jornais mantêm um modelo gratuito assente apenas em publicidade, outros fecham os conteúdos e outros ainda optam por uma solução mista. Em meados de 2010, o britânico Times, da News Corporation, de Rupert Murdoch, colocou todos os conteúdos atrás de uma barreira de pagamentos. De um total de 3,5 milhões de cibernautas que costumavam visitar o site todos os meses, 79 mil (ou 2,6 por cento) tornaram-se assinantes. Já o Financial Times tem uma das mais antigas barreiras de pagamento online (arrancou em finais de 2007), assente num bem sucedido modelo misto, que permite o acesso a alguns artigos antes de cobrar. Hoje, 229 mil pessoas pagam entre 4,99 e 14,17 euros por semana. The New York Times foi dos que avançaram também para um modelo misto. Entre Abril e Julho, conseguiu 281 mil assinantes - ou 0,8 por cento dos visitantes mensais. A assinatura mais barata custa 11 euros por mês. A barreira de pagamentos do NY Times tem sido amplamente descrita como "porosa". Há 20 artigos mensais gratuitos, mas não são contados os acessos através do Google, do Twitter ou do Facebook.

O objectivo é evitar a queda das visitas e da publicidade. O sistema, contudo, parece estar a funcionar e a empresa declarou que "a introdução de assinaturas digitais no Times compensou a quebra de vendas de exemplares impressos". O especialista em media Félix Salmon, que escreve para a Reuters e para a Columbia Journalism Review, comparou a barreira do jornal americano a uma placa de "proibido pisar a relva", dada a facilidade de chegar aos conteúdos. "O NY Times está apenas a tornar claro que gostaria que [os leitores] pagassem uma assinatura. Sendo simultaneamente bem-educados e razoavelmente endinheirados, acontece que dezenas de milhares de leitores fizeram exactamente isso."

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