Regras mais simples e justas no financiamento das escolas

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A alteração ao estatuto do EPC permitirá ao país dispor de uma rede de escolas consentânea com as suas necessidades

Nos últimos 30 anos, sobretudo durante a década de 80, o Estado foi celebrando contratos de associação com estabelecimentos do ensino particular e cooperativo (EPC) para a prestação do serviço educativo em zonas carecidas de rede pública. O princípio que preside à celebração destes contratos é simples: garantir que os alunos que residem nessas zonas têm acesso à educação nas mesmas condições oferecidas pela escola pública.

A alteração recentemente aprovada pelo Governo ao Estatuto do EPC, de 1980, não coloca em causa este princípio. O Estado continuará a contratualizar com o EPC a prestação do serviço educativo onde a rede pública seja insuficiente ou inexistente. É a observação deste princípio que confere estabilidade à relação contratual entre o Estado e os estabelecimentos do EPC.

No essencial, a alteração ao estatuto do EPC visa os seguintes objectivos: 1) avaliar o financiamento da rede de escolas com contrato de associação, à luz do seu princípio fundador; 2) adoptar regras mais simples, mais claras e mais justas no financiamento destas escolas.

A avaliação dos contratos de associação justifica-se tendo em conta as alterações demográficas e o desenvolvimento da rede pública de escolas, no estrito respeito da Constituição, que estabelece que "o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população". A escola pública mudou muito nos últimos 30 anos, em particular nos últimos cinco, facto que hoje obriga a repensar a rede de escolas privadas com contrato de associação. São conhecidas situações anómalas de concorrência entre escolas privadas e escolas públicas, artificialmente alimentada por dinheiros públicos, que garantem integralmente o funcionamento de ambas. Onde, num mesmo território, escola privada e escola pública concorrem pelos mesmos alunos, os contratos de associação não se justificam, representam um claro desperdício na gestão orçamental e dos recursos educativos e violam o princípio consagrado no Estatuto do EPC. Ora, o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 108/88, de 31 de Março, agora revogado, impedia a revisão destas situações infundadas, e determinava, a título de exemplo, que contratos em vigor há 30 anos fossem automaticamente renovados por igual período temporal, independentemente da existência de oferta pública de ensino.

O que o Estado financia com os contratos de associação não é nem a liberdade de escolha na educação, nem a especificidade da oferta educativa, mas um bem superior e constitucionalmente consagrado: o acesso de todos à educação. E é também por esta razão que a rede de escolas públicas e de escolas privadas com contrato de associação merece uma atenção redobrada, seja para colmatar falhas que impeçam o acesso à educação, seja para eliminar situações de evitável duplicação de despesa.

Com as regras entretanto aprovadas e em vias de promulgação, o Ministério da Educação poderá finalmente reavaliar e renegociar os contratos de associação sempre que a lei e os mais elementares princípios de justiça económica e social assim o obriguem.

A fórmula de financiamento dos contratos de associação actualmente em vigor é extremamente complexa e pouco ajustada à realidade. No quadro de uma gestão rigorosa e transparente da afectação de recursos, o que se propõe agora é um financiamento por turma de valor equiparado ao dos cursos profissionais de custo equivalente ministrados nas escolas privadas. Esta metodologia já é aplicada com sucesso em Portugal, desde 2004, no âmbito das escolas profissionais privadas apoiadas através do Orçamento do Estado.

De acordo com o exercício orçamental de 2010, o financiamento dos 93 estabelecimentos do ensino particular e cooperativo com contrato de associação, abrangendo 52.955 alunos, custa cerca de 235 milhões de euros, ou seja, 4440 euros por aluno. A afirmação que hoje é feita de que o custo por aluno no ensino público é de 5200 euros, referenciando o valor à OCDE, revela no mínimo desconhecimento ou falta de sentido crítico. Os últimos dados da OCDE sobre esta matéria respeitam a 2007 e são apresentados em paridade de poder de compra. Trata-se, portanto, de um valor ponderado pelo poder de compra, facto que faz elevar o custo por aluno para efeitos de comparação internacional da informação estatística. O valor de 5200 euros por aluno no ensino público que tem sido veiculado é, assim, falacioso: se cada aluno no ensino público custasse 5200 euros, o Orçamento do Estado para a Educação necessitaria de mais 2 mil milhões de euros. O Orçamento do Estado para 2011 dotará as escolas públicas com um montante de cerca de 3750 euros por aluno. Quando devidamente comparadas, as escolas privadas com contrato de associação são hoje mais onerosas para os contribuintes do que as escolas públicas. E a razão é simples: a fórmula actual de financiamento destas escolas é pouco ajustada à realidade. A este respeito veja-se o facto de as despesas com o pessoal não docente e com o funcionamento destas escolas estarem indexadas à massa salarial dos docentes, variando por mera definição entre um mínimo de 35% e um máximo de 50%. Nas escolas públicas esta despesa representa 15%.

A alteração feita pelo Governo ao estatuto do EPC permitirá ao país dispor de uma rede de escolas verdadeiramente consentânea com as suas necessidades. E com regras mais simples, mais claras e mais justas no financiamento das escolas, públicas ou privadas, será possível enfrentarmos o desafio de, nos momentos difíceis e com uma melhor gestão dos recursos, garantirmos a todos os portugueses uma educação de qualidade. Secretário de Estado da Educação

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