PJ não parou investigação do Freeport desde 2005 e só foi acompanhada pelo Ministério Público do Montijo

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Cândida Almeida não deu grande atenção ao processo até Julho de 2008 PAULO PIMENTA

A directora do DCIAP só chamou o inquérito a si quando os ingleses já estavam a investigar o caso. À excepção dos primeiros meses, mantivera-se afastada

O inquérito do caso Freeport "estava completamente parado" quando o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) tomou conta dele, no Verão de 2008. Foi isso que o procurador-geral da República, Pinto Monteiro, disse ao PÚBLICO, em Janeiro de 2009, e é isso que, até agora, tem sido dado como certo. Mas não é: o processo nunca esteve na gaveta. Certo é que a directora do DCIAP, Cândida Almeida, nunca lhe deu particular atenção até Julho de 2008, a não ser no início.

Formalmente iniciada em Fevereiro de 2005, a investigação suscitou o interesse da directora do DCIAP logo a 11 desse mês, no dia em que foi noticiada a realização das primeiras buscas. Através de ofício dirigido ao representante do Ministério Público (MP) no Tribunal do Montijo, o procurador Joaquim Aires, a cargo de quem estava o inquérito, quis saber se a sua abertura tinha sido comunicada ao DCIAP, tal como determinam as instruções da Procuradoria-Geral da República para certos casos. Em resposta, foi-lhe dito que, até aí, os factos se circunscreviam a uma comarca, pelo que o DCIAP não fora informado. E é nessa altura que o processo, então já com dois volumes e cinco apensos, chega pela primeira vez às mãos de Cândida Almeida.

Devolvido ao MP do Montijo e à Polícia Judiciária (PJ) de Setúbal em 21 de Fevereiro, o inquérito seguiu o seu caminho com a realização de numerosas diligências, voltando a directora do DCIAP a pedir o processo, para consulta, em 26 de Julho. Nove dias depois, os autos foram novamente devolvidos. Em resultado dessas duas consultas efectuadas nos primeiros cinco meses de vida do caso, Cândida Almeida não proferiu qualquer despacho nem forneceu qualquer orientação, pelo menos escrita.

Ainda em 2005, a 16 de Novembro, Cândida Almeida pediu pela terceira vez o processo, nessa altura já com cinco volumes e 83 apensos, devolvendo-o pouco depois, com um ofício onde afirma que foi verificada "a inexistência de relatórios analíticos", nomeadamente em relação aos apensos. "Desta forma torna-se inviável para já proceder à avaliação dos autos tendo em vista aquilatar da natureza transdistrital dos mesmos, pelo que solicito que logo que disponibilizados pela PJ nos sejam enviados para análise." O facto de a investigação abranger várias comarcas e distritos é uma das circunstâncias, para lá da complexidade e da natureza dos crimes em causa, que determinam a sua avocação pelo DCIAP.

Logo no início de Janeiro de 2006, a inspectora Carla Gomes - que integrava a equipa de investigação dirigida pela coordenadora Maria Alice Fernandes e composta por ela e mais dois inspectores, além de uma especialista auxiliar - informou o MP do Montijo de que os relatórios não tinham sido feitos porque ainda estava em curso a análise de documentação bancária e a tradução de muitos documentos. No final desse ano, durante o qual as diligências sofreram algum abrandamento, embora não se possa falar em paragem, a directora do DCIAP insistiu, num ofício de 14 de Novembro, no envio dos relatórios intercalares e pediu informação sobre a evolução do inquérito. Para esclarecer estas questões, a procuradora em funções no Montijo, Helena Gonçalves, reuniu-se com Cândida Almeida a 22 de Dezembro, mas nos autos não há referência a qualquer orientação que tenha sido aí dada.

Nos 18 meses seguintes, até Junho de 2008, não há sinal algum de que a directora do DCIAP tenha tido contacto com o inquérito, mas percebe-se que ele prosseguiu normalmente. A equipa da PJ continuou a trabalhar, apesar de, ao longo de 2007, a inspectora Carla Gomes ter estado 43 dias de baixa, por doença, e o MP do Montijo manteve o seu acompanhamento, ainda que limitado ao despacho das diligências para as quais a lei exige a sua intervenção, mas sem assumir de facto a direcção da investigação. A sua intervenção foi, aliás, fortemente condicionada pela ausência de especialização dos seus titulares na área da criminalidade económica, pela sua dispersão no trabalho do tribunal local e pelo facto de, entre 2005 e 2008, terem passado pelo Montijo pelo menos três procuradores.

Ao longo deste ano e meio, os autos engordaram com mais 857 folhas, sem contar os apensos, e as diligências, para além da preparação das perícias urbanística e ambiental e financeira, centraram-se na tentativa de esclarecer os circuitos do dinheiro que passou pelos vários intervenientes. Nos primeiros seis meses de 2008, até ao momento em que a directora do DCIAP decidiu chamar a si o processo, a 30 de Junho, os trabalhos sofreram mesmo um forte incremento. Em Janeiro de 2008, chegou a resposta parcial à carta rogatória enviada em Agosto de 2005 e nos meses seguintes foram recolhidos dados fiscais, bancários e contabilísticos sobre várias empresas. Finalmente, em Maio e Junho, foram ouvidas nove testemunhas e, depois de o MP do Montijo dar um mês para que isso fosse feito, a inspectora Carla Gomes elaborou o relatório intercalar de 131 páginas, que continha também a proposta de realização de novas diligências, incluindo cartas rogatórias.

Nessa altura já a investigação inglesa do Serious Fraud Office estava no terreno há meses e já tinha contactos com as autoridades portuguesas, com quem os seus responsáveis tiveram uma primeira reunião em 9 Julho de 2008, nove dias depois de a directora do DCIAP ter avocado o processo.

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