O Porto à noite mudou para melhor e para pior

Nas noites quentes do Agosto que acabou, o Porto pareceu ter enterrado o seu ar de cidade triste, abandonada e suja e deu de si ares de querer retomar a sua velha vocação urbana. E não apenas na zona onde agora se concentra a mais agitada vida nocturna, em torno da Rua da Galeria de Paris. Apesar de na zona de Santa Catarina só haver sinal de vida no Majestic cheio de turistas ou num cibercafé de imigrantes, as esplanadas da Praça encheram-se de gente e os passeios voltaram a receber famílias em relaxadas caminhadas depois do jantar. Quem tivesse passado os últimos anos fora, dificilmente poderia acreditar naquele ar de normalidade afável e descontraída que faz parte das paisagens urbanas das cidades do norte da Europa.

Este é o lado bom da história. O lado mau também existe e não é culpa de quem manda, embora sejam exigíveis explicações às autoridades policiais. Primeiro problema: passear noites de quinta, sexta e sábado nas ruas circundantes dos bares ou das esplanadas da moda tornou-se um exercício penoso, porque os automóveis decidiram invadir a eito os passeios públicos; segundo problema: urinar na rua, mesmo nos lugares onde há pessoas a passar, tornou-se um gesto tão banal como tossir; terceiro problema: com o afluxo crescente de jovens às ruas do centro, a proliferação do vandalismo dos tags (as assinaturas pintadas nas paredes) atingiu um nível insultuoso para quem gosta de viver no Porto.

Já havia constrangimentos mais do que suficientes a ensombrar o regresso da vida à noite da Baixa. Sendo inevitáveis, o barulho e o lixo são custos que alguém está a pagar. Não eram precisas, por isso, novas ameaças que resultam da preguiça, da falta de educação e de civismo ou de uma certa cultura juvenil agressiva e provocatória. Numa cidade que se pretende inclusiva, não há lugar para padrões de comportamento rígido, como se sabe. Mas uma coisa é o conservadorismo idílico que propõe um mundo asséptico e impossível, outra é a total falta de respeito que pelos outros condutores ou utentes da noite manifestam. Se houver possibilidade de, pelo exemplo e pela pedagogia, se corrigirem estas atitudes, óptimo; se não, não se estranhe que venha a coacção policial a impor regras mínimas de convivialidade e decência.

Até porque ter passeios sem carros para os peões ou ruas sem vestígios de urina não é uma exigência por aí além. É uma condição básica para que milhares de pessoas de todos os pontos da cidade ou do Grande Porto frequentem os bares da colina da noite. Se não for possível manter um nível mínimo de qualidade ao espaço onde se situam, teremos de aceitar a degradação da magnífica animação nocturna da Baixa. E, a médio prazo, o fim de uma das melhores notícias que o Porto conheceu nestes anos de empobrecimento e mediocridade.

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