O preconceito contra os docentes já não tem razão de ser

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No livro A Minha Sala de Aula É Uma Trincheira, a jornalista do PÚBLICO reflecte sobre dez ideias feitas sobre a classe docente e relata histórias contadas por professores, pais e alunos. No final, cabe ao leitor julgar qual o estado da educação em Portugal.

Em A Minha Sala de Aula É Uma Trincheira desconstroem-se dez mitos sobre os professores. A imagem que têm não corresponde à realidade?

A imagem que os professores acham que a sociedade tem deles não corresponde à realidade. Acham que toda a sociedade está contra eles, que os julga.Sim, são julgados, mas não tão mal julgados como sentem. As pessoas partem sempre daqueles preconceitos: o professor está sempre de férias, os professores têm mais férias do que nós... Só que depois vêem que isso não corresponde à realidade. O que se passou foi que, ao longo das décadas, os professores tiveram um tratamento diferente relativamente aos outros trabalhadores. Mas tudo isso foi mudando nos últimos anos e o preconceito que existia já não tem razão de ser. As pessoas começam a perceber que os professores trabalham tanto ou mais do que elas.

Muitos pais querem que os professores eduquem para além de ensinar. Os docentes dizem ter "o peso do mundo sobre os ombros". É-lhes exigido demasiado?

A sociedade pôs nos ombros dos professores aspectos que tem de ser ela a resolver - a família, os médicos, uma série de gente que não apenas os professores. E essa exigência de que a escola tem de, para além de ensinar, educar é uma exigência que os pais deviam fazer a eles próprios. Eles é que têm de educar os filhos.

Os dez mitos são mesmo mitos?

Eu chamei-lhes "mitos" e acho que para a maior parte da classe docente o são. Não significa que não haja professores que não queiram trabalhar, que não queiram ensinar, que estejam na profissão só por estar, que não tenham vocação. Esses professores existem, conhecemo-los. A percepção que a sociedade tem dos docentes é a de que não trabalham, não querem saber dos miúdos, porque conhecem professores que, de facto, são assim. São a maioria? Acho que não.

No seu livro indica que estes são dos profissionais que mais recebem acompanhamento psicológico e psiquiátrico. O livro tenta mostrar o outro lado dos professores?

E humanizar a figura do professor. O livro não é um elogio aos professores. Até agora, a maior parte dos livros que fala sobre o estado da educação é feita por ministros, ex-ministros ou futuros ministros e investigadores da área. Há uma série de gente a analisar e a estudar o estado da educação. O que também quis fazer foi analisar o estado da educação, mas através de histórias concretas, verdadeiras, exemplos quer para um lado quer para o outro. O que tentei foi manter alguma imparcialidade, mostrar o bom e mostrar o mau. No final, quem vai fazer a avaliação do estado da educação em Portugal é o leitor. Eu só lhe dei a ferramenta: estão aqui estas histórias de pais, de alunos e de professores. Foi esse o objectivo com que fiz o livro.

O ponto de partida foi uma pergunta do director da editora Esfera dos Livros sobre se os alunos portugueses merecem os professores que têm. Merecem?

Merecem quando o professor é bom, não merecem um professor que não quer saber. Merecem um professor que esteja comprometido com o seu aluno e com o seu país. Muitos professores não sentem que o ensino seja uma missão - acham que missões e vocações têm os padres e as freiras, não eles - e vêem o ensino como outra profissão qualquer. Sim, é uma profissão como outra qualquer, mas tem de haver sempre um compromisso: não pensarmos só no nosso bem-estar, pensarmos no bem-estar dos outros e no da sociedade em geral. O papel do professor é um papel importantíssimo no que diz respeito à educação e ao ensino de gerações. Os alunos portugueses merecem que os professores sintam esse compromisso. Se calhar é utópico, mas acredito nisso.

claudia.sobral@publico.pt

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