Arbitragem fiscal não acaba com os 44 mil processos pendentes

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Fisco acumula processos

Doze juristas na Faculdade de Direito de Lisboa foram muito críticos quanto à ousadia do Governo de querer reduzir a pendência judicial com a arbitragem

Há cerca de 44 mil processos pendentes nos tribunais tributários e em cada dia há mais dois processos, afirmou ontem o presidente do Supremo Tribunal Administrativo, o juiz Santos Serra. Mas ao contrário do objectivo do Governo, a arbitragem fiscal não vai resolver essas pendências. Até poderá mesmo aumentar a litigância. Essa é a opinião da maioria dos doze intervenientes na conferência do Instituto de Direito Económico Financeiro e Fiscal (IDEFF), dedicada à arbitragem fiscal.

A sessão foi aberta pelo próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, um dos impulsionadores da ideia. O autor da primeira versão do diploma foi o advogado do escritório Sérvulo & Associados, Gonçalo Leite de Campos. O diploma que custou ao Estado 42 mil euros (com IVA) circulou por instâncias do Estado, foi aprovado em Novembro de 2010 e publicado a 20 de Janeiro passado. Falta ainda a publicação das portarias que regularão a forma como as decisões arbitrais vincularão o Fisco, o regime de custas e a lista de árbitros.

Mas a fazer fé nas intervenções ouvidas, as inúmeras questões, críticas e reticências levantadas ao longo da manhã no anfiteatro da Faculdade de Direito de Lisboa, o projecto devia ter circulado mais tempo.

O decreto-lei 10/2011, como se frisa no seu preâmbulo, "visa três objectivos principais": reforçar os direitos e interesses dos contribuintes, "uma maior celeridade na resolução de litígios" entre Fisco e contribuintes e, "finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais".

Mesmo antes da liquidação

Em traços gerais, permite-se ao contribuinte impor ao Fisco uma arbitragem, mesmo antes da liquidação fiscal, abrangendo questões de facto e de direito e substituindo a primeira instância judicial. Os árbitros saem de uma lista do Centro de Arbitragem Administrativa (CAD) do Ministério da Justiça, após um crivo de condições. Caso os contribuintes queiram indicar um árbitro, pagam as custas, incluindo os peritos do Fisco.

O optimismo apenas veio do juiz Santos Serra, presidente do conselho deontológico do CAD, órgão que vai escolher os árbitros. Mas críticas foram mais numerosas e centraram-se precisamente nos objectivos do diploma: a arbitragem não vai resolver a elevada pendência.

Ana Paula Dourado, da Faculdade de Direito de Lisboa, lembrou a ausência de exemplos internacionais com um âmbito tão alargado, suscitando-lhe dúvidas sobre a sua constitucionalidade. E o caso espanhol leva-a "a suspeitar que não venha a resolver os problemas que afligem os tribunais". O professor da Faculdade Direito de Coimbra Casalta Nabais afirmou que a pendência requer "soluções excepcionais" e a arbitragem não é uma delas. Será, sim, para questões de multinacionais e investimento estrangeiro, nomeadamente preços de transferência, matéria colectável, dupla tributação. O próprio Diogo Leite de Campos, jurista favorável à arbitragem fiscal e pai do autor do diploma, foi claro: "Não se pense nem finja pensar que a arbitragem vai resolver os 50 mil processos pendentes". E sublinhou os seus riscos: a profissionalização dos árbitros e a descrença na arbitragem. Jesuíno Martins da DGCI rematou: "a pendência tem de ser atacada a montante" e espera que a arbitragem não vingue "porque senão ficará bloqueada".

Mas houve mais críticas. Entre elas, a falta de regulamentação e que "há questões muito complicadas" por resolver (Casalta Nabais). Há elevados riscos de o contribuinte usar os tribunais e a arbitragem, armando-se uma confusão para o Fisco (Rogério Fernandes Ferreira e Pedro Brás). A arbitragem pode redundar no protelamento da liquidação fiscal "por muitos anos e sem que o contribuinte tenha de prestar qualquer garantia" (Lima Guerreiro). A forma escolhida nem é arbitragem nem é tributária e tem "dificuldades e perigos" (Oliveira Garcia). Os prazos impostos vão ser muito difíceis de cumprir pelo Fisco (Jesuíno Martins) e corre-se o risco de uma célere decisão levar muito mais tempo a ser aplicada pelo Fisco. E pode ser a forma de o Estado impor que quem não opte pela arbitragem, pagar as custas totais no recurso para os tribunais judiciais (Pedro Brás citando o Código do Processo Civil).

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