Um ano que pareceu forever

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Presidente leonino tem tido um mandato complicado Rui Gaudencio

José Eduardo Bettencourt completa hoje 12 preenchidos meses como presidente do Sporting

Escasseou o sucesso nos relvados, mas sobrou emoção e polémica no primeiro ano de José Eduardo Bettencourt na cadeira presidencial do Sporting. Três treinadores e outros tantos directores desportivos testemunham as conturbações vividas no futebol profissional. Determinado em promover uma profunda remodelação no clube, nomeadamente ao nível do modelo organizacional e de liderança, mais centralizado e presidencialista, o líder leonino continua sem conseguir implementar o plano de reestruturação financeira, que poderá trazer algum oxigénio à contabilidade da SAD (Sociedade Anónima Desportiva) que gere os destinos do futebol. Entre declarações polémicas, demissões em barda, contratações, com cenas de pugilato à mistura, houve um pouco de tudo nestes 12 meses que abalaram o "leão", tornando certamente este último ano num dos mais longos da vida de Bettencourt.

Junho 2009

Com uma percentagem esmagadora de 89,43 por cento dos votos dos sócios (contra 10,57 por cento de Paulo Cristóvão), José Eduardo Bettencourt torna-se no primeiro presidente remunerado da história dos "leões". Já depois de eleito, esclarecerá ao jornal Sporting que não irá auferir um salário "exorbitante", estabelecendo um inesperado elemento comparativo: "Vou ganhar bastante menos do que o [jogador] Abel." Reforça também a ideia de ter prescindido de rendimentos elevados no sector bancário, onde desenvolvia a sua actividade profissional. "O meu presidente [no Banco Santander] telefonou à minha mulher a dizer o que eu ia perder." O "futebol" e os "sócios" são assumidos como as prioridades do seu mandato, com a manutenção do treinador Paulo Bento e a renovação com Liedson a constituírem as apostas no curto prazo. Neste primeiro mês de exercício, o dirigente anuncia alterações no modelo de organização directiva, com a criação de uma comissão executiva, presidida pelo próprio Bettencourt e constituída por apenas mais quatro elementos, em representação dos diferentes departamentos do grupo empresarial do clube.

Julho 2009

Em plena pré-temporada, confrontado com as contratações do Benfica e FC Porto, Bettencourt manifesta estranheza com os montantes gastos em reforços pelos adversários na luta pelo título. "Eu achava que não havia milhões para comprar jogadores, mas, pelos vistos, há. (...) Qualquer cidadão que não viva muito ligado ao futebol tem a maior estranheza, porque em qualquer lugar do mundo não há milhões para nada", refere, reiterando que o Sporting irá manter a política de aposta nos jovens provenientes da formação. Os "dragões" são destacados como principal adversário da equipa de Alvalade: "O nosso adversário principal é o FC Porto. É no primeiro que temos de ter os olhos, não é no terceiro [Benfica]."

Agosto 2009

Bettencourt admite que o Sporting tem menos argumentos para lutar pelo título português do que Benfica e FC Porto. "Em função dos investimentos, há, claramente, candidatos mais assumidos. Com menos meios, é mais difícil, mas, mesmo assim, temos conseguido fazer mais. (...) Penso que os benfiquistas estão mais satisfeitos, o clube fez contratações fortes e é bom ver 62 mil pessoas no estádio. Estão com grandes expectativas e isso, por vezes, perturba a maior parte dos adeptos do Sporting. Mas a mim não me perturba." Dias depois, presidente e equipa são recebidos de madrugada no Aeroporto da Portela com apupos de cerca de 20 a 30 adeptos, desagradados com a exibição na Madeira, frente ao Nacional (1-1, na primeira jornada). O treinador Paulo Bento, o director Pedro Barbosa e os jogadores Anderson Polga e Abel foram os mais visados pelos insultos. Bettencourt procurou dialogar com alguns dos adeptos, acabando por terminar com o protesto.

Setembro 2009

Críticas de Bettencourt ao funcionamento do clube, acusando alguns elementos (sem nomear) de falta de solidariedade nos órgãos internos, surpreendem o universo sportinguista, causando mal-estar em alguns sectores. Em causa, estaria a contestação em relação ao modelo de futebol que idealizou para a SAD (Sociedade Anónima Desportiva), nomeadamente a continuidade de Paulo Bento.

Outubro 2009

"É o início de uma nova era", anunciou Bettencourt, depois de os sócios, reunidos em assembleia geral, terem aprovado a última medida para a viabilização do projecto de reestruturação financeira, autorizando a transferência da sociedade Sporting Comércio e Serviços (detentora dos direitos das transmissões televisivas dos jogos) para a SAD (uma proposta recusada duas vezes à direcção anterior de Soares Franco). "Aprovámos condições para podermos trabalhar numa certa linha e esse trabalho só agora pode ser iniciado. Gostaríamos que o reflexo daquilo que fizéssemos pudesse trazer resultados a partir da próxima época", concluiu. Em entrevista conjunta aos três jornais desportivos, o presidente leonino considera "reduzida" a probabilidade de a equipa voltar a ficar à frente do Benfica no final da temporada ("Temos um orçamento que é caro para ficar em terceiro lugar, mas é muito barato para ficar em primeiro"). Reitera, por outro lado, a confiança em Paulo Bento ("Nunca sairá pela porta pequena"), lamentando o clima de contestação à volta da estrutura do futebol: "O Sporting está desgastado por razões internas e externas. É um fardo muito pesado levar este clube para a frente. Há uma grande saturação. E não há milagres..." O líder sportinguista reforça ainda as críticas ao modelo de funcionamento interno do clube. "Tem muitos órgãos e assembleias. Outros há que trabalham sem dar tanto cavaco. O Sporting é uma democracia parlamentar, mas sem músculo. E, depois, tem umas elites que exigem muito mais do que dão", atira, deixando um aviso à navegação: "Ainda estamos [direcção] no período experimental e, por enquanto, ainda podemos alegar a "inadaptação tecnológica", como é vulgar dizer-se. Não queimámos cartuchos... por enquanto." No final do mês, a convocatória de uma acção de protesto contra o trabalho da equipa técnica leva Bettencourt a qualificar os descontentes de "terroristas" e "intolerantes". O vice-presidente Mário Moniz Pereira vai mais longe: "Se estão insatisfeitos, vão-se embora."

Novembro 2009

As demissões de Paulo Bento, do director desportivo Pedro Barbosa e do vice-presidente da SAD Miguel Ribeiro Telles (os últimos dois, em solidariedade com o treinador) decapitam o futebol profissional do Sporting. Um sétimo lugar no campeonato, à passagem da nona jornada, e exibições paupérrimas precipitam a renúncia dos três responsáveis. Bettencourt lamenta este desfecho, assumindo a estrutura de futebol e prometendo contratar um novo treinador ainda no decorrer do mês de Novembro ("Estou a trabalhar no futuro com enorme entusiasmo"). Sá Pinto será apresentado como director de futebol e, depois de uma tentativa fracassada de contratar o jovem técnico da Académica André Villas-Boas, a escolha recai sobre Carlos Carvalhal. Uma surpresa para a maioria dos adeptos. Numa decisão inédita, o técnico será apresentado via site oficial. Com a questão do treinador resolvida, Bettencourt apelou à união da família sportinguista: "Virou um ciclo. Paulo Bento saiu de forma digna e é com os que cá estão que temos de trabalhar. Chegou a hora de fazer e construir."

Dezembro 2009

Rita Figueira demite-se da administração da SAD, sem avançar motivos, sendo substituída na estrutura por José Filipe Nobre Guedes, arquitecto do projecto de reestruturação financeira do clube. Depois de uma visita aos EUA, onde esteve reunido com a elite empresarial luso-americana, Bettencourt anuncia que a equipa do Sporting vai contratar reforços na reabertura do mercado de transferências, em Janeiro, gastando "o que tiver de ser para reforçar a ambição". Serão contratados o avançado francês Sinama-Pongolle, ao Atlético de Madrid (6,5 milhões de euros), o defesa-direito João Pereira, ao Sp. Braga (três milhões de euros), e o médio Pedro Mendes, ao Glasgow Rangers (aproximadamente um milhão de euros). O líder leonino deixa ainda elogios a Carvalhal. "Sempre foi uma primeira escolha para mim. Tem tudo aquilo que eu gosto: é português, ambicioso, tem um belíssimo currículo, tarimba e estudos."

Janeiro 2010

Um desentendimento entre Sá Pinto e Liedson, que chegou ao confronto físico, resultou na demissão do director de futebol, pouco mais de dois meses após ter assumido o cargo. Será rendido interinamente por Miguel Salema Garção, antigo director de comunicação e a desempenhar na altura as funções de team manager.

Fevereiro 2010

Depois de umas férias no Brasil, Bettencourt não esconde o desagrado pelos maus resultados da equipa (com a humilhante eliminação da Taça de Portugal frente ao FC Porto, por 5-2, e derrotas comprometedoras para o campeonato, frente ao Sp. Braga e Académica, que deixaram inalcançável o pódio da Liga). "Infelizmente estou a par de tudo", referiu à chegada a Lisboa, confessando que "as derrotas" deram-lhe "cabo das férias". E tudo irá piorar nas horas seguintes, com os "leões" a serem goleados em Alvalade pelo Benfica, por 4-1, e afastados da Taça da Liga. Dias depois, o líder sportinguista anuncia que vai centralizar o poder no clube, apostando numa lógica mais presidencialista. "Vai ser um modelo mais parecido com o do FC Porto, que é o que ganha há 30 anos", esclareceu, admitindo a centralização na sua pessoa de todas as decisões fundamentais para o clube. Bettencourt restabelece ainda as prioridades do Sporting para a temporada em curso, colocando o quarto lugar como objectivo e indexando a continuidade de Carvalhal ("que infelizmente apanhou este barco") aos resultados ("Admito tudo"). O dirigente lamentou, mais uma vez, a saída de Paulo Bento, considerando que teriam constituído "uma grande dupla", por serem dois "a dar o corpo às balas". Deixou ainda críticas à anterior direcção: "Neste momento não há condições para ganhar, porque se perderam três, quatro anos em que não aconteceu nada. Encontrámos tudo parado e está a ser preciso recomeçar." Dois dias antes, o ex-vice-presidente e membro do Conselho Leonino Menezes Rodrigues alertava para o "défice de profissionalismo no futebol do Sporting", com uma "grande pobreza de recursos e meios, de atitudes e de vontade". No plano desportivo, o mês de Fevereiro contrastou entre o pior ciclo da equipa em partidas oficiais da temporada, com sete jogos consecutivos sem ganhar em todas as competições (entre 28 de Janeiro e 20 de Fevereiro) e o início do melhor fase da equipa, com as vitórias em Alvalade frente ao Everton, para a Liga Europa, e FC Porto, para o campeonato, ambas por 3-0. Dois excelentes resultados que coincidiram com a entrada de Costinha para a direcção de futebol.

Março 2010

O Sporting acorda com as instituições financeiras o adiamento para o dia 30 de Setembro de 2010 da conclusão das medidas de reestruturação financeira. O clube esclarece que não foi possível finalizar, até ao dia 31 de Março último (um prazo que já havia sido prorrogado anteriormente), o plano estabelecido com a banca (que implicou a celebração de um contrato de abertura de crédito a 30 de Dezembro de 2008) para a implementação de medidas necessárias ao cumprimento da reestruturação financeira do universo empresarial do clube, assim como o processo para a emissão dos Valores Mobiliários Obrigatoriamente Convertíveis (VMOC). No plano desportivo, o Sporting encerra a sua participação na Liga Europa, competição onde alcançou mais sucesso ao longo da temporada, eliminado pelo Atlético de Madrid. Depois de um empate a zero, na capital espanhola, a antecipar o jogo decisivo em Alvalade (2-2) estala uma polémica entre Costinha e o médio Marat Izmailov (que, com dores, se terá recusado a alinhar no encontro). No final do mês, a SAD confirmou oficialmente a saída de Carlos Carvalhal, no final da temporada.

Abril 2010

Paulo Sérgio é oficializado como novo treinador do Sporting, com os "leões" a pagarem 600 mil euros de indemnização ao V. Guimarães pela transferência. Duas semanas antes, falhara a segunda tentativa dos "leões" para contratarem André Villas-Boas.

Maio 2010

A equipa de andebol do Sporting entra na história da modalidade ao vencer a Taça Challenge, o primeiro troféu europeu do andebol português. No final do mês, a SAD revela um resultado negativo de 14,8 milhões de euros em nove meses, mais 8,6 milhões do que os prejuízos acumulados no mesmo período do exercício anterior. A administração justifica a derrapagem com os maus resultados desportivos e a ausência da Liga dos Campeões (foi afastado da competição em Agosto) e o quarto lugar no campeonato português. Em relação à concorrência directa, o FC Porto registou um lucro de 10,7 milhões de euros (mais 17,1 milhões de euros face ao ano anterior), enquanto o Benfica apresentou um resultado negativo de 22,8 milhões de euros (mais 4,4 milhões).

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