Abstenção do PS aprovada por dois terços mas sem deputados

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A comissão política aprovou por dois terços a abstenção NUNO FERREIRA SANTOS

O líder socialista quis ouvir os parlamentares na decisão da comissão política. Estes mostraram o que os separa da direcção do PS

Foi uma salva de palmas que ontem de madrugada anunciou a abstenção do PS no Orçamento do Estado para 2012. Após cerca de três horas de debate e mais de 40 intervenções na comissão política nacional, os 92 membros presentes aprovaram a proposta do secretário-geral para a abstenção nas duas votações do OE - generalidade e votação final global - com menos de um terço de votos contra. Foram 68 votos a favor, 22 contra e duas abstenções. Terminava assim a novela socialista que dividiu durante semanas o principal partido da oposição.

Mas se, à primeira vista, os números da votação interna indicavam um partido "atrás" de António José Seguro, a forma como a reunião decorreu contava outra história.

E assim se compreende que, na intervenção final, Seguro não tenha sido capaz de resistir a enviar recados aos dissidentes. Em vez de um discurso triunfalista, Seguro lançou avisos: "Espero que os deputados estejam comigo", disse, antes de lamentar as críticas internas: "Às vezes vejo com preocupação camaradas mais preocupados em ver o que faço e o que eu digo do que em combater o Governo."

Quem elogiou a decisão foi a direita. O PSD, através de Luís Montenegro, afirmou que a abstenção reforçaria o "clima de coesão e unidade", prometendo "abertura de diálogo". João Almeida (CDS) considerou que a decisão ajuda o país a passar o "primeiro grande teste à coesão para que se consiga dar uma imagem diferente da de outros países". À esquerda, João Oliveira (PCP) definiu a proposta de reduzir os cortes nos subsídios a apenas um como uma "desculpa esfarrapada para justificar o injustificável". E Marisa Matias (BE) referiu que Seguro "fala de uma folga no Orçamento", que permite a manutenção de um dos subsídios", mas trata-se de um argumento "fraco para justificar a abstenção".

Para este encontro, o líder socialista quis a presença dos deputados, eurodeputados e presidentes da federação. Se a comissão política está nas mãos do líder, saída que está do último congresso, já o grupo parlamentar é ainda um legado de José Sócrates. Afinal, aqueles deputados foram escolhidos pelo ex-primeiro-ministro. E o que aconteceu, durante a reunião, foi um choque de opiniões mais renhido do que a votação indiciaria. "Se os deputados votassem, isto era diferente", confidenciava, à saída, um membro da comissão. Afinal, muitos dos deputados não votaram uma vez que não fazem parte da comissão.

Ao longo da noite os argumentos a favor da abstenção entremearam-se com a defesa do voto contra. Entre estes encontravam-se nomes com peso no partido. Ex-governantes como Pedro Silva Pereira, André Figueiredo ou Fernando Serrasqueiro, dirigentes como o líder da JS, Pedro Delgado Alves, e até apoiantes de Seguro como Pedro Nuno Santos. Os argumentos pelo contra foram variados. Desde a destruição do Estado social, passando pela falta de garantias de que o Governo acolheria alguma das propostas do PS até à simples leitura de que as pessoas não compreenderiam que o PS não se demarcasse do OE.

Assis a favor da abstenção

Pela abstenção levantaram-se - entre outros - o candidato derrotado, Francisco Assis, o líder parlamentar, Carlos Zorrinho, e deputados como Vitalino Canas ou Vítor Baptista. Após a votação, os derrotados saíram prometendo respeito pela decisão do órgão interno. "Eu vou ser disciplinado", garantiu o deputado José Lello, um dos que se bateram pelo contra. Pedro Silva Pereira optou por destacar a "convergência na crítica ao Orçamento". E ontem, o ex-líder Ferro Rodrigues contradizia um dos argumentos que suportavam a abstenção: "No Parlamento, é também fundamental a consistência dos discursos com os sentidos de voto. Assim, espero sinceramente que as conversações com o Governo corram bem, de forma a que na votação final esses imperativos fiquem assegurados".

Francisco Assis, um dos apologistas da abstenção, dissera exactamente o contrário horas antes, ao defender que o PS se podia abster ao mesmo tempo que dava combate político ao Orçamento. "Uma coisa é o sentido de voto e outra é o discurso", dissera.

Apesar das promessas de disciplina, Seguro não tem ainda garantida uma votação serena no Orçamento. Os deputados podem fazer eclodir a sua dissidência através de uma bateria de declarações no momento do voto. Alguns deputados contactados pelo PÚBLICO admitiam-no ontem como muito provável, caso não vissem sucessos na alteração à proposta de Orçamento. E assim, Seguro surgiria ao país como um líder com deputados "atrás" de si - como pediu ontem - mas sem grande vontade em segui-lo.

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