O tratado

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Pretende abordar todos os factores da crise, mas apenas se concentra no primeiro elemento, a disciplina orçamental

Vinte e cinco membros do Conselho Europeu de 30 de Janeiro de 2012 aprovaram o texto de proposta de tratado sobre "Estabilidade, Coordenação e Governação na Zona Euro". A República Checa juntou-se ao Reino Unido na recusa do tratado e o líder dos socialistas franceses avisou que iria propor a revisão do tratado, caso fosse eleito, o que tem algumas probabilidades de ocorrer.

O tratado pretende abordar todos os factores da crise, mas apenas se concentra no primeiro elemento, a disciplina orçamental, que pretende garantir através de um pacote (fiscal compact). A economia do texto segue estas ideias: ao pacote orçamental são dedicados seis artigos, à coordenação económica e convergência três e dois à governação. Se olharmos para as propostas económicas, vemos retórica pura: que é necessária uma política económica conjunta que aumente o crescimento, a convergência e a competitividade, a promoção de emprego, mas tudo sob condição de sustentabilidade das finanças públicas. Propõe-se dois chavões habituais: a cooperação reforçada e o desenvolvimento do mercado único. A única inovação consiste em exercícios comparativos das melhores práticas sobre as medidas de reforma económica. Como se a Europa fosse o departamento de economia de uma universidade, ou o think tankde um partido. E quais são, então, as grandes propostas do pacote da estabilização financeira?

Admite-se um défice de 0,5% do PIB a preços correntes, mas a caminho de rápida convergência, de acordo com calendário proposto pela Comissão; admitem-se desvios temporários desta "regra de ouro" em circunstâncias excepcionais: um acontecimento inabitual fora do controlo do Estado-membro, ou períodos de severa depressão económica, tal como são definidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC.

Se a proporção entre a dívida pública e o PIB estiver abaixo dos 60% e os riscos de sustentabilidade no longo prazo das finanças públicas for baixo, o défice orçamental pode subir para 1%; regras a introduzir nas legislações nacionais no prazo de um ano depois da entrada em vigor do tratado, através de lei com força vinculativa permanente, de preferência constitucional. Quando a proporção da dívida pública no PIB estiver acima dos 60%, o Estado infractor deverá reduzi-la à razão de um vinte avos por ano.

O procedimento de défice excessivo implica um programa com reformas estruturais para corrigir o défice excessivo, sendo o conteúdo e o formato definidos por legislação europeia e a sua monitorização nos termos do PEC, sob a orientação da Comissão e do Conselho. Se a Comissão concluir que o Estado-membro não cumpriu o disposto no tratado, o assunto poderá ser levado ao Tribunal Europeu de Justiça por qualquer das partes contratantes, independentemente da Comissão, requerendo a imposição de sanções financeiras. O tribunal pode então impor ao Estado incumpridor o pagamento de uma multa até ao limite de 0,1% do seu PIB, cujo valor reverte para o Mecanismo de Estabilidade Europeia.

O tratado defere ao Tribunal Europeu de Justiça a aplicação de sanções, matéria para a qual este dificilmente se pode considerar competente. Em vez de unir a Europa, divide-a em UE27 e UE25 e quando o presidente do Parlamento "pode ser convidado" para as negociações futuras regateia responsabilização democrática ao processo.

Além de Merkel, só Van Rompuy se regozijou com o tratado, elogiando os "acordos amplos que estão a ser conseguidos para alcançar a harmonização orçamental". Acossado pela baixa do ratingda França e comprimido pela demagogia pré-eleitoral, Sarkozy não deitou foguetes. Quase um funeral.

Do lado do Parlamento, além do vigoroso discurso inicial do presidente Shulz, houve unanimidade na frieza. Uma resolução conjunta aprovada pelos Populares, Socialistas e Democratas e Liberais reconhece que a estabilidade fiscal é uma componente importante da resolução da crise, mas insiste em que a recuperação económica exige reforço da solidariedade, crescimento sustentado e emprego. Afirmam-se medidas concretas, como um fundo de resgate (redemption fund), obrigações para projectos infra-estruturais (project bonds), um calendário para as obrigações de estabilidade (stability bonds) e a famosa taxa sobre as transacções financeiras (finantial transaction tax).

A Europa divide-se entre Parlamento e Conselho, com a Comissão no meio - o que retira força aos órgãos comunitários, fundados na solidariedade e coesão, em favor de um directório reduzido a dois, por mais três meses e a um apenas, após Junho, se François Hollande vencer as eleições.

A Alemanha vai ter eleições em 2013. Lançou na classe média o culto do desprezo da formiga pelas cigarras periféricas, mas necessita da União e de um euro fraco, para poder continuar a exportar, derrotando os competidores da mesma moeda. É gerida por quem já esqueceu a guerra, sem grandeza de alma e vislumbra dominar a Europa sem armas, pela mera força da competitividade e da estabilidade financeira, escassa em outros Estados.

Terá o tratado vida longa, ou efémera? Impossível de prever. Está ligado a uma ideologia e a um modelo económico. A ideologia da culpabilização da vítima e o modelo económico neoliberal, o antigo "consenso de Washington", já abandonado pelo FMI e Banco Mundial. Tão simples como isso. O tratado é uma peça da política da direita europeia pura e dura, não a direita da democracia cristã. Durará enquanto durar esta maioria de pensamento. O seu destino é cair, substituída por um novo consenso, mais sensível aos valores da solidariedade. Sem esquecer a disciplina orçamental, mas sem a erguer em dogma universal e culpabilizante. Defendendo o investimento, o crescimento e o emprego, organizando-se de forma substantiva para vencer a crise. Deputado do PS ao Parlamento Europeu

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