Reposição dos subsídios levará a mais austeridade
Tribunal Constitucional diz que suspensão dos subsídios viola princípio da igualdade, mas a decisão só terá efeitos em 2013. Passos Coelho diz que haverá mais austeridade para o privado
Em 2013, os sacrifícios serão para todos e os trabalhadores do sector privado verão os seus rendimentos diminuírem ainda mais. O Governo vai lançar novas medidas de austeridade dirigidas também ao sector privado, de forma a contornar a decisão do Tribunal Constitucional (TC), que ontem vetou a suspensão dos subsídios de férias e de Natal dos pensionistas e funcionários públicos. A garantia foi deixada pelo primeiro-ministro, em reacção ao acórdão do TC que produz efeitos a partir do próximo ano.
"O Governo não deixará, no contexto da preparação do Orçamento do Estado para 2013, de estudar esta questão e apresentar uma nova medida que substitua essa", avisou Pedro Passos Coelho, numa declaração ao início da noite.
O chefe do Governo escusou-se a revelar "em cima do joelho" que medidas serão adoptadas, mas quando questionado sobre se abrangerão o sector privado foi bem claro: "Não pode deixar de ser assim, nos termos da decisão do TC".
"Teremos de encontrar uma medida que seja, em termos orçamentais, equivalente a esta e que não pode deixar de respeitar esta orientação do TC e de ser alargada a outros portugueses, que não sejam apenas funcionários públicos e pensionistas", precisou.
Passos Coelho fez questão de destacar que o TC " aceita que em períodos de grande dificuldade os funcionários públicos e os pensionistas possam ter de fazer um sacrifício adicional, mas entende que esses sacrifícios não podem ficar confinados aos funcionários públicos e pensionistas e portanto deveriam ser estendidos, numa medida equivalente, aos outros cidadãos".
Na prática, sem o dizer, o primeiro-ministro deixou a porta aberta a medidas como a que foi tomada em 2011, quando o subsídio de Natal dos portugueses foi alvo de uma contribuição extraordinária para garantir os cumprimentos das metas orçamentais.
Ontem, o chefe do Governo recusou-se, mais uma vez, a aliviar a pressão em relação às metas previstas no acordo assinado com a troika, que pressupõem chegar ao final do próximo ano com um défice de 3% do PIB. "Há o compromisso solene do país relativamente ao processo de ajustamento", reforçou Passos Coelho, indiferente aos apelos dentro do próprio partido para alargar os prazos de ajustamento orçamental (ver página 4).
E se a execução orçamental até Maio fez acender vários sinais de alarme (devido à queda das receitas fiscais abaixo do previsto e ao forte aumento das despesas com subsídio de desemprego), a decisão do TC agora relevada vem agravar o cenário, embora os seus efeitos não tenham impacto em 2012.
O acórdão divulgado ao início da noite de ontem considera que a suspensão dos 13º e 14º meses dos funcionários públicos e pensionistas entre 2012 e 2014 ultrapassa os limites da Constituição da República e viola o princípio da igualdade. Em causa estão os rendimentos acima dos 600 euros brutos.
Nove votos contra três
"Apesar de a Constituição não poder ficar alheia à realidade económica e financeira, sobretudo em situações de graves dificuldades, ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os objectivos económico-financeiros prevaleçam, sem qualquer limites, sobre parâmetros como o da igualdade, que a Constituição defende e deve fazer cumprir", lê-se no acórdão redigido por João Cura Mariano e que teve o voto favorável de nove conselheiros, contra três que não concordaram com a decisão.
O TC conclui que "a dimensão da desigualdade de tratamento que resultava das normas sob fiscalização, ao revelar-se manifestamente desproporcionada perante as razões que a fundamentavam, se traduzia numa violação do princípio da igualdade". Por isso, "declarou inconstitucionais as normas contantes dos artigos 21º e 25º" da lei do Orçamento do Estado para 2012 (OE).
A decisão do TC, contudo, não produz efeitos este ano, porque a maioria dos juízes decidiu restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade a partir de 2013, com o argumento de que a reposição dos subsídios já este ano poderia "colocar em risco o cumprimento da meta do défice público imposta nos memorandos que condicionam a concretização dos empréstimos faseados acordados com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional".
Esta decisão motivou declarações de voto dos conselheiros Catarina Sarmento e Castro, Carlos Pamplona de Oliveira e José Cunha Barbosa, que consideraram que o acórdão deveria ter efeitos logo após a sua publicação, admitindo apenas a manutenção dos cortes até aí.
O Governo nunca foi taxativo sobre quando e como seriam devolvidos os subsídios, que não seriam pagos enquanto durasse o programa de ajustamento. Em Abril, o ministro das Finanças pôs a hipótese de, a partir de 2015, os subsídios de férias e de Natal começarem a ser repostos a um ritmo de 25% ao ano. Contudo Vítor Gaspar também disse esta era uma "hipótese de trabalho", dependente da "existência de espaço orçamental", e não "um compromisso político nem uma decisão de política".
O pedido de fiscalização sucessiva das normas do Orçamento do Estado que suspendem os subsídios de férias e de Natal chegou ao Constitucional pela mão de 25 deputados do PS - à revelia da direcção do partido - e do Bloco de Esquerda.
O PCP não subscreveu o pedido por discordar dos fundamentos apresentados no pedido de fiscalização.