Ministérios condenados a revelar despesas de representação e com cartões de crédito

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Caso foi levantado com as despesas dos gabinetes do anterior Governo DANIEL ROCHA

Supremo Tribunal Administrativo confirma pedido da Associação Sindical de Juízes relativo ao Governo anterior, que inclui também os subsídios de residência dos chefes de gabinete

A questão foi colocada ainda em relação ao Governo de José Sócrates, mas são os actuais ministérios que têm que fornecer os dados relativos a várias despesas dos diversos gabinetes governamentais. Em causa está a utilização de cartões de crédito, de telefones, o pagamento de despesas de representação e de subsídios de residência, cujos documentos foram solicitados pela Associação Sindical do Juízes Portugueses (ASJP), mas que os anteriores governantes procuraram não fornecer.

A decisão é do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que assim dá razão, em definitivo, à associação de juízes. "O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é um direito fundamental", cujo sacrifício só se poderá justificar face a direitos e valores constitucionais idênticos ou superiores, reconhece o acórdão que tem data de 24 de Janeiro. Como exemplo desses valores constitucionais, o STA enumera "os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas".

Foi na sequência das drásticas medidas de austeridade aplicadas aos vencimentos da função pública, em Outubro de 2010, que a ASJP avançou com aquele pedido de informações. Entendiam os juízes que as medidas os atingiam de forma mais gravosa e injustificada, exemplificando com o caso do subsídio de renda, que para os ministros era de 10% e para os magistrados de 20%.

Para além da necessidade geral de contenção de despesas, os representantes sindicais do juízes viam nas medidas a eles especificamente aplicadas uma atitude de retaliação por alguns processos envolvendo governantes. "É a factura de terem incomodado os boys do PS", chegou então a afirmar o presidente da ASJP, António Martins, sugerindo tratar-se de retaliação face às acusações no processo Face Oculta.

Foi precisamente com o intuito de provarem a disparidade na aplicação dos cortes que os juízes quiseram obter documentos sobre as despesas relativas aos gabinetes governamentais, invocando a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos. Queriam municiar-se com vista ao processo negocial que se seguiria, mas as respostas foram no sentido de lhes ser negada a documentação (ver caixa).

O passo seguinte foi a apresentação de processos contra cada um dos ministérios, cujas sentenças foram sendo favoráveis, mas sempre recorridas até chegarem ao STA. O Governo invocava o facto de grande parte dos documentos serem de carácter público, que a ASJP já não tinha necessidade deles porque a negociação colectiva já tinha sido concluída e ainda que alguns pagamentos, como os relativos às despesas de representação e subsídio de residência, continham dados pessoais privados.

Nada de relevante, face ao "direito fundamental à informação" e ao "princípio da administração aberta", segundo entenderam os juízes do STA. Os dados pessoais relativos ao recebimento de despesas ou subsídios auferidos no desempenho público "são públicos por exigência legal e não respeitam à vida privada dos seus titulares", refere o acórdão.

O presidente da ASJP, António Martins, diz que espera agora pelos documentos solicitados, lamentando que não os pudessem ter utilizado na negociação com o Governo. "Se a eles tivéssemos tido acesso, teríamos oportunidade de melhor defender os nossos associados", disse ontem ao PÚBLICO, explicando que só depois de uma análise concreta dos documentos que lhes forem fornecidos será decidido o caminho a seguir.

O magistrado frisou também a importância da decisão, "no sentido de que o acesso aos documentos administrativos é um direito que assiste a todos os cidadãos" e garante que a sentença é para cumprir. "Seria inadmissível que os ministérios não cumprissem uma decisão dos tribunais", sublinhou ainda.

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