Secessão será explosiva para a Espanha e para a Europa

Não há nenhuma disposição legal na União Europeia que permita lidar com um caso como o da eventual independência da Catalunha

Ninguém tem respostas claras, mas em qualquer cenário, uma eventual independência da Catalunha da Espanha será sempre uma dor de cabeça política e jurídica para a União Europeia (UE), sobretudo no actual contexto de crise económica e do euro.

Por enquanto, o risco de secessão a curto prazo de uma das 17 regiões autonómicas espanholas é considerado em Bruxelas como um cenário totalmente improvável devido aos problemas que acarreta e que levarão muitos anos a ficarem totalmente resolvidos. Essa eventualidade "poderá provocar a implosão da Espanha e da própria UE", alerta Ana Gomes, eurodeputada socialista portuguesa.

Por enquanto, e segundo as sondagens, a maioria dos pouco mais de sete milhões de catalães permanece contra a separação.

Apesar disso, o tom entre Madrid e Barcelona endureceu nos últimos dias a propósito das transferências fiscais da Catalunha para o resto do país, que, segundo Artur Mas, o presidente do Governo Regional - a Generalitat - estão a empobrecer injustamente a região.

O conflito agudizou-se depois de Barcelona se ter visto forçada a pedir em Setembro ao Governo central um resgate de 5 mil milhões de euros, o que, segundo Mas, teria sido evitado se os catalães pudessem reter uma parte mais importante dos impostos que transferem para o resto do país.

Perante a recusa do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, de contemplar qualquer alteração do sistema de transferências entre regiões, Mas convocou para Novembro eleições regionais antecipadas, encaradas como uma decisão sobre a autonomia. O parlamento regional foi mais longe aprovando a organização posterior de um referendo específico, embora não vinculativo, sobre o tema.

O problema, refere um diplomata europeu, é que os próprios responsáveis catalães não acreditam na separação, mas deixaram que "o tema fosse empolado nas manifestações de protesto nas ruas e agora perderam o controlo do debate".

A verdade é que ninguém tem a menor ideia de como é que um cenário destes poderia ser gerido tanto ao nível interno espanhol, como no quadro da UE. Dois cenários são possíveis: ou a Catalunha declara unilateralmente a independência, e abre um grave conflito com Madrid, ou o processo é conduzido de forma amigável e negociada, o que, no mínimo, obrigará a Espanha a rever a Constituição, que não contempla cenários de secessão.

Angel Vidal-Quadras, eurodeputado conservador espanhol e ex-líder do Partido Popular na Catalunha, considera que uma decisão ilegal obrigará o Estado central a "enviar a Guardia Civil" para assumir o controlo da região. Este comentário, feito a uma televisão espanhola, suscitou de imediato inúmeros protestos de vários deputados europeus, que o consideraram "uma relíquia do passado" e "totalmente deslocado" no contexto da democracia europeia.

Mas mesmo uma saída pacífica e negociada está longe de ser simples. Nesse cenário, a revisão da Constituição espanhola terá de recolher o apoio de dois terços das outras regiões, algumas das quais com fortes correntes independentistas, como o País Basco, que poderão bloquear um processo capaz de espoletar os seus próprios fantasmas.

Ao nível europeu, o quebra-cabeças é ainda maior porque não há nenhuma disposição legal prevista para lidar com um processo destes. Pior: o Tratado da UE institui especificamente o princípio do respeito pela integridade territorial dos seus Estados-membros, uma disposição que foi incluída a pedido... da Espanha.

Alguns juristas consideram que, no caso de um divórcio amigável, a Catalunha, que, enquanto parte integrante de Espanha, participa actualmente no mercado interno, no euro e no espaço Schengen sem controlos nas fronteiras, poderá ser considerada de forma quase automática como um novo Estado-membro da UE. Neste caso, as negociações entre Barcelona e Madrid e entre as duas capitais e o resto da UE deverão ser desenvolvidas em paralelo para consagrar no plano jurídico a emergência do novo Estado.

Mas mesmo neste cenário que alguns juristas mais batidos consideram algo simplista, a UE teria de alterar os tratados, para acrescentar a nova "parte contratante" aos seus actuais 27 Estados-membros e corrigir simultaneamente em baixa o peso da Espanha nos votos no Conselho de Ministros e no número de eurodeputados para ter em conta a perda de 7 milhões de habitantes.

Este processo aparentemente simples está longe de o ser, porque as alterações aos tratados precisam da unanimidade dos Estados-membros. E, aí, o risco é que todos os países com fortes minorias étnicas, sobretudo no Leste europeu, a par de Chipre (cuja metade norte continua ocupada pela Turquia), e do Reino Unido, que enfrenta igualmente o risco de independência da Escócia, se oponham, para evitar abrir um precedente explosivo.

Este mesmo risco pesa sobre o cenário alternativo em que o novo Estado tivesse de pedir formalmente a adesão à UE. Isto porque, segundo os juristas mais experientes, a Catalunha independente deixaria automaticamente de ser parte da UE e teria, assim, de erigir de imediato fronteiras com os restantes países europeus e sair de Schengen e do euro.

Argumentos antieuropeus

Como a adesão de novos Estados-membros também é decidida por unanimidade, a entrada da Catalunha enfrentaria o mesmo risco de veto de vários países, incluindo de Madrid, em caso de divórcio litigioso.

Qualquer que seja a solução, a separação da região terá, segundo Ana Gomes, consequências "devastadoras" tanto para a Espanha como para a UE. "Tenho o maior respeito pelos sentimentos independentistas e autonómicos da Catalunha", mas "a questão, no actual contexto, está a ser claramente manipulada por um Governo Regional de direita, que está a fazer chantagem" e a usar argumentos "totalmente mesquinhos e antieuropeus" que "não têm nada a ver com motivos nobres de afirmação da identidade" dos catalães, considera.

No fundo, insiste Ana Gomes, Mas está a assumir a mesma postura dos países ricos da UE, como a Alemanha, que resistem a tudo o que cheire a transferências financeiras para os mais pobres, agravando com isso a crise do euro. "E, se eu condeno [estes argumentos] ao nível europeu, naturalmente que também os condeno na Catalunha", frisou.

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