Um terço das agências desapareceu em dois anos

Das 1147 agências de viagens registadas em 2008, sobram hoje 810 operadores. O sector espera em 2011 mais um ano difícil

Era uma das maiores agências do país. Chegou a facturar 24 milhões de euros e a empregar 120 pessoas. E, num espaço de poucas semanas, ameaçada por um processo de insolvência, fechou as portas e deixou os clientes sem viagens. O caso da Mundiclasse é apenas mais um sinal de que o sector, que cresceu sem amarras no período pré-crise, atravessa um momento de viragem, fragilizado pela desconfiança dos consumidores e por margens mais curtas, sob a fiscalização apertada das ASAE e na expectativa de uma revisão legislativa.

Nos últimos dois anos, cerca de 340 agências de viagens e operadores turísticos desapareceram em Portugal. De acordo com dados da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), existiam, em 2008, 1147 empresas dedicadas a esta actividade e que cumpriram a obrigatória prestação de contas às Finanças. Actualmente, são 810 as entidades licenciadas pelo Turismo de Portugal para organizar e vender produtos turísticos, o que pressupõe a entrega de uma declaração oficial de vendas.

Dificuldades financeiras, fusões e aquisições, a ameaça do online e a quebra na procura de viagens, do lazer aos negócios, são algumas das causas que explicam o desaparecimento de tantas empresas, que não pode ser dissociado do factor crise. "Hoje, as agências de viagens trabalham num quadro diferente, com margens mais curtas e um consumidor mais activo. Há fragilidades no sector", admitiu ao PÚBLICO o secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade.

Menos dois mil empregos

Um panorama que também teve reflexos sobre a empregabilidade do sector, com o número de trabalhadores a descer de 8021, de acordo com os dados da CIP, para pouco mais de seis mil, entre 2008 e 2010, segundo o Sindicato da Marinha Mercante e das Agências de Viagens, o Simamevip. "É uma área de grande mobilidade laboral, mas, nos últimos anos, tem havido mais dificuldade em encontrar emprego estável", referiu um membro da direcção.

Para o presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), "o sector está a atravessar uma fase tão difícil quanto a generalidade dos demais sectores da economia nacional". Apontando a vaga de consolidação, por via de aquisições e fusões, como uma razão para a redução do número de operadores no mercado, João Passos acrescenta que "o volume de negócios do sector, exceptuando os últimos dois anos, tem sido de permanente crescimento".

A associação não nega que o sector tem vindo a emagrecer. "Na APAVT estão actualmente representados 923 balcões. Em 2007, estavam representados 1166", avançou ao PÚBLICO. E, além da concentração de empresas, justifica esta redução com "a quebra nas vendas [de viagens] de lazer", não tanto em volume, mas sim "no valor das suas aquisições". Também no segmento dos negócios se nota "uma crescente preocupação com os custos associados às viagens", o que tem refreado as receitas.

A extinção das agências e dos operadores turísticos tem percorrido dois grandes caminhos: o encerramento puro e a revogação do alvará. As estatísticas das insolvências, processos que chegam a tribunal quando as empresas deixam de ter capacidade para cumprir com as suas obrigações comerciais, são reveladoras. Em 2010, o número de agências declaradas insolventes cresceu 110 por cento, face a período homólogo. Apesar de, no total de sentenças proferidas no ano passado (3983), o sector se ficar por 21 casos, a subida de três dígitos ultrapassa significativamente o crescimento anual das insolvências em Portugal entre 2009 e 2010 (8,29 por cento).

Quase 1300 queixas

Os processos que chegam aos tribunais não contam, porém, todas as histórias de empresas com um final infeliz. Muitas simplesmente desaparecem, em parte, por intervenção do Turismo de Portugal, que, só no ano passado, apesar de ter passado 45 novas licenças, revogou 68 alvarás de agências de viagens e operadores turísticos. Além da retirada de licenças às insolventes, o organismo público também limpou empresas das suas listagens "por falta de garantias válidas", afirmou, referindo-se às cauções de depósito obrigatório para fazer face a incumprimentos e ressarcir clientes.

Este é, aliás, um dos temas que têm agitado o sector, sobretudo depois do caso Marsans, a agência espanhola que faliu, deixando um rasto de dívidas de 4,8 milhões de euros.

O facto de muitos clientes serem prejudicados no vaivém de agências de viagens tem aumentado a desconfiança em relação ao sector. Muitos recorrem à Deco, que recebeu, em 2010, 1267 queixas. Face a 2008, o aumento do número de reclamações é de 86 por cento, muito alavancado pela Marsans, que foi responsável pela grande maioria das denúncias.

ASAE investiga

Casos como o da agência espanhola e, agora, o da Mundiclasse, que também tem sido alvo de queixas, podem contribuir negativamente para a imagem de todo o mercado. Mas não são a única explicação para um possível aumento do receio dos consumidores, já que continuam a subsistir, no sector, situações menos claras, que minam a tentativa de recuperação financeira em marcha (veja caixa).

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) tem estado atenta às movimentações das agências de viagens. Desde 2006, 1089 empresas foram investigadas pelo organismo. Resultado: sete processos-crime, 218 contra-ordenações e 258 infracções registados. De entre os casos de contra-ordenação, a maioria incidiu sobre a falta de indicação do número de alvará (43), de livro de reclamações (21) e de licenciamento (16), por exemplo. Já os processos-crime movidos no último ano, dois no total, foram interpostos por causa de um crime de especulação e outro de desobediência.

Para 2011, a associação do sector "antevê um ano difícil". Porém, João Passos, presidente da APAVT, está "certo de que as agências de viagens portuguesas, na sua generalidade, saberão adaptar-se a estas dificuldades", com a consciência de que a sobrevivência das empresas "obrigará a uma melhor resposta" e "a uma maior consciência de que mais e melhor serviço são vitais".

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