Provedor de Justiça insiste na restituição gratuita da igreja de Campolide

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Interior tem tectos a cair, paredes a ceder e 42 banheiras para apanhar a água da chuva daniel rocha

Imóvel está na posse do Estado desde 1910 e tem vindo a apodrecer. Ministério das Finanças pede 233.500 euros pela venda, mas Alfredo de Sousa recomenda a cedência a custo zero

O provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, recomendou de novo ao ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que restitua "gratuitamente" ao Patriarcado de Lisboa a Igreja Paroquial de Santo António de Campolide. O edifício foi confiscado pelo Estado no dia 8 de Outubro de 1910, três dias depois da implantação da República. Hoje, encontra-se em avançado estado de degradação, sem que o Estado tenha feito quaisquer obras de conservação, pedidas há muito pela paróquia. O Estado pede agora 233.500 euros para vender o edifício, o que a comunidade paroquial considera um abuso.

Em três meses, esta é a segunda recomendação de Alfredo José de Sousa a defender a mesma opção. A 30 de Março, o provedor tinha enviado ao ministro de Estado e das Finanças um documento em que já dizia que o edifício devia ser restituído gratuitamente. Perante essa recomendação, o gabinete do secretário de Estado do Tesouro, Carlos Pina, respondeu negativamente.

A nova recomendação - a que o PÚBLICO teve acesso - foi entregue a 28 de Junho no gabinete de Teixeira dos Santos. Instado a comentar o documento, o gabinete do ministro fez saber, através da assessora de imprensa, que "a recomendação chegou muito recentemente" e "está a ser objecto de análise".

No documento enviado ao ministério de Teixeira dos Santos no fim de Junho, o provedor repete que o edifício se encontra "em condições lamentáveis" para a prática religiosa ou outra utilização colectiva e "compromete a razão de ser da classificação arquitectónica"- a igreja é imóvel de interesse público desde 1993.

Facto é que a igreja está povoada de andaimes e estruturas para segurar paredes e tectos, há soalhos em risco de ceder, banheiras para captar água da chuva - são 42, desde Janeiro, quando o mau tempo obrigou a comprar mais 18 para acrescentar às 24 que já aparavam a água. Uma chuvada intensa no último Inverno, particularmente rigoroso, fez cair o tecto da sacristia, destruindo paramentos e livros litúrgicos.

Na mesma recomendação, o provedor recorda o que se passou em relação a países da antiga órbita soviética ou ao "confisco revolucionário grego ou turco". A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem-se afirmado pela devolução dos bens, recorda.

Alfredo José de Sousa acrescenta que o centenário da implantação da República é uma "ocasião particularmente propícia à solução deste diferendo". As comemorações, adianta, "não devem ficar-se pela memória e evocação dos acontecimentos". Antes, acrescenta, "interpelam a actos concretos e positivos que não deixem dúvidas sobre como o Estado encara, no presente, a separação entre o Estado e as igrejas, num pressuposto de reconhecimento do seu papel social e cultural".

Em 1927, recorda ainda o texto, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça determinava a restituição do Convento de Santa Joana (situado na Rua de Santa Marta, em Lisboa) à Irmandade Nossa Senhora do Rosário. Como a decisão não foi cumprida, o Estado cedeu à mesma irmandade em 1937, a título precário, a Igreja de Campolide. Mas nunca gastou um tostão ou um cêntimo em qualquer obra de conservação do imóvel.

Em Dezembro do ano passado, o Estado vendeu o Convento de Santa Joana por quase 5,8 milhões de euros. "Não basta ao Estado a receita obtida com a alienação do Convento de Santa Joana para exigir ainda um preço pela restituição da Igreja de S.to António de Campolide?", pergunta o provedor, que diz ainda que a igreja não pode ser afecta a outro fim "que não seja o culto católico". Por isso, "não se descortina sequer como possa ser calculado um valor pecuniário para o mesmo". Trata-se de um bem "fora do comércio jurídico", o que lhe "retira todo o valor venal que pudesse ter", conclui Alfredo de Sousa.

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