Namorado ou bruxa, é a mesma coisa nas histórias que Paula Rego vê em My Choice

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Paula Rego não foi ontem a artista, foi a "escolhedora" Enric Vives-Rubio

Pintora fez visita guiada à exposição com as obras que seleccionou da colecção de arte do British Council

Na primeira das várias salas da Casa das Histórias, em Cascais, estão em destaque as gravuras que David Hockney fez dos contos dos irmãos Grimm. "Não vou explicar as histórias porque não sei", diz Paula Rego no início da visita guiada, que ontem fez à exposição com obras que seleccionou da colecção do British Council e que hoje se inaugura. "Rapunzel, aquela que deita os cabelos cá abaixo para o namorado subir. Não, para a bruxa subir. Namorado ou bruxa é a mesma coisa, não é?", pergunta a artista, entre risos, aos que a rodeiam. "Eu não sou a artista, sou a "escolhedora"", diz. "Mas como curadora foi muito artista", contrapõe Helena de Freitas, a directora da Casa das Histórias. "Pois é verdade, é verdade", sorri a pintora.

Ao fundo da sala, um quadro de Tony Bevan. "E aquilo é uma mulher, já viu? Com o make-up dos olhos um bocado exagerado. É uma mulher que anda assim pelos becos. É muito, muito forte." E ao lado, I"m Dreaming of a White Christmas, que Richard Hamilton - "um dos grandes artistas deste século em Inglaterra, ainda é vivo" - fez a partir de fotogramas coloridos do filme Holiday Inn, com Bing Crosby. "Escolhi o retrato de Crosby porque gosto muito dele. Aqui está, o Bing Crosby todo em tons de ovo", diz com ternura. E todos seguem a artista para a sala onde está Rapariga Nua com Ovo. "O quadro do Lucian Freud, daquela menina, a Celia Paul, que é uma grande pintora também, e que ele pintou. Acho que é um ovo cozido cortado ao meio. Não sei a simbologia do quadro, só sei que ela tem uma cara muito triste. Está muito bem iluminado", conclui.

Walter Richard Sickert pintava mulheres e Paula Rego considera que era um artista extraordinário a desenhar. Escolheu Cecily Hey, o primeiro quadro dele, "uma menina um bocado disforme". E depois de ver os seus desenhos "tão perto e tão bem", ainda ficou a gostar mais dele. Ser curadora da exposição fez com que a artista ficasse a gostar ainda mais da arte britânica do que gostava.

Há uma parede de que Paula Rego gosta muito nesta exposição. É lá que está a obra de Gwen John, a pintora irmã de Augustus John, pintor "que tinha muita fama quando era novo" e que também está representado na exposição. "Gwen apaixonou-se por Rodin. Quando o Rodin já estava farto dela, pô-la fora e ela deitava-se na rua em frente ao atelier dele à espera que ele lhe abrisse a porta. Depois foi viver com as freiras. E pintava, pintava, pintava", conta. E passa rapidamente para Graham Sutherland, um artista que era "extremamente popular e muito considerado", que pintava retratos, inventava coisas, fazia criaturas a partir de plantas. "Saiu de moda. Nunca mais ninguém falou dele nem o expõe. É uma tristeza que acontece aos artistas", diz. Pintou vários retratos e o do Winston Churchill foi queimado (pela sua mulher, que não gostou).

"Para fazer estas coisas, Madame Yevonde tinha que fingir que era francesa. Senão parecia mal. Só os franceses é que fazem estes disparates surrealistas de trazer por casa", diz Paula ao pé das fotografias coloridas de Cumbers. Aproxima-se do trabalho de Gerald Brockhurst que retrata duas crianças e inventa: "Duas irmãs, uma bonita, outra feia. A mãe só gostava da bonita, a feia matou-se".

É o olhar de Paula Rego que une todas estas obras da exposição, que partiu de um convite do British Council, sob o conceito do artista-curador. Em 2010, a exposição Thresholds mostrou a sua selecção na Whitechapel Gallery de Londres. Essa exposição, aumentada e revista, agora na Casa das Histórias, irá para a Galeria Fundação EDP no Porto, de Julho a Setembro. A mostra mais pequena, a que esteve na Whitechapel Gallery, irá a seguir para a Casa das Caldeiras da Universidade de Coimbra. Em simultâneo, inaugura na Casa das Histórias a exposição The Proles Wall Years, com obras de Paula Rego.

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