PS incomodado com discurso "cruel"

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Líderes parlamentares à espera do Presidente Nuno Ferreira Santos

O líder da bancada socialista foi directo sobre as palavras de Cavaco Silva: "Não gostei." José Sócrates, mais lacónico, prometeu "cooperação institucional"

O PS, na frente parlamentar, foi o primeiro a avançar na resposta a Cavaco Silva. Foi duro nas palavras sobre o discurso de posse que arrasou o Governo socialista. "Julgo que não foi um discurso próprio de um Presidente de todos os portugueses, foi mais um discurso de facção, um discurso sectário. Espero que rapidamente seja retomada uma linha de actuação que, no essencial, marcou o primeiro mandato, em que houve essa preocupação de agir com isenção e com independência", disse Francisco Assis, líder parlamentar do PS.

Os sinais são, portanto, de coabitação difícil. A estratégia, sabe o PÚBLICO, passa por responder à letra a Cavaco, tendo o PS como "frente avançada". A dúvida está em saber se os ministros de José Sócrates vão ou não envolver-se neste jogo. Afinal, Sócrates continua a prometer "cooperação leal e institucional".

Ainda há três semanas, Francisco Assis pedia contenção aos deputados da sua bancada nas palavras que dirigissem a Cavaco Silva. Ontem, foi directo sobre o que ouviu: "Não gostei." E disse esperar que o tom não marque o segundo mandato do Presidente da República.

O líder da bancada do PS sustentou que "o país não precisa de acrescentar uma crise no relacionamento institucional entre os principais órgãos de soberania à situação" parlamentar marcada "por uma grande conflitualidade resultante da inexistência de uma maioria absoluta". Assis devolveu a palavra "verdade" exigida pelo Presidente no discurso de ontem. "Uma análise da situação financeira que ignore a situação internacional não é uma análise verdadeira", contrapôs Assis. Foi a expressão de um mal-estar na bancada socialista à medida que foi ouvindo Cavaco Silva a enterrar os grandes investimentos públicos e a apelar ao "sobressalto cívico". No final, dois deputados do PS, António José Seguro e Jorge Seguro Sanches, aplaudiram, embora permanecendo sentados, e só José Bianchi (também PS) bateu plamas de pé. Apenas as bancadas da direita foram agraciando o discurso com entusiásticas palmas.

Momentos antes da reacção de Assis, o primeiro-ministro sublinhava o mesmo ponto sobre a crise económico-financeira. "Manda a verdade que um diagnóstico sobre a situação portuguesa analise a dificuldade na Irlanda, na Grécia, na França nos Estados Unidos e no Japão", disse José Sócrates aos jornalistas.

Confrontado com as críticas de Cavaco Silva, Sócrates optou por contornar as farpas, dizendo estar "muito de acordo" com o Presidente da República quando referiu "a necessidade de se unirem os esforços de todos para responder à actual situação". Mas, nas entrelinhas, deixou transparecer a solidão do executivo: "Muitas vezes o Governo faz isso sozinho, tomando medidas difíceis que são necessárias tomar para responder a esta situação." Também disse concordar com Cavaco Silva na necessidade de se fazerem reformas estruturais, mas acrescentou isso significa "medidas difíceis".

Menos cauteloso, o presidente do Governo regional dos Açores, o socialista Carlos César, ouviu o discurso como uma apurada crítica ao executivo socialista, mas sem soluções à vista. "Pareceu-me excessivamente cruel no diagnóstico e pouco ousado na terapêutica", afirmou. Para o presidente do Governo Regional dos Açores, "o país não saiu mais unido desta tomada de posse".

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