Comentários de Fidel ao modelo cubano poderão encorajar mudanças no regime

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Fidel tinha até agora evitado falar sobre a política interna de Cuba DESMOND BOYLAN/reuters

Líder comunista declarou a um jornalista americano que o modelo económico de Cuba está esgotado, indicando que o Estado terá uma presença demasiado dominante

"O modelo económico de Cuba já não está a funcionar para os cubanos", desabafou o antigo Presidente e comandante revolucionário Fidel Castro, num almoço com o jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, que viajou para a ilha das Caraíbas para uma entrevista pedida pelo próprio Fidel.

A declaração surpreendeu o repórter no final de uma refeição em que, conta, Fidel comeu peixe e salada, molhou o pão num prato de azeite e bebeu um copo de vinho tinto. "Ainda fará sentido importar o modelo cubano para o resto do mundo?", perguntou Goldberg, fora do guião - a conversa nas horas que antecederam o repasto versara as questões do Médio Oriente.

A pergunta - e mais importante, a resposta - foram confirmadas por Julia Sweig, a directora de Estudos Latino-Americanos do Council on Foreign Relations que viajou com Goldberg para Cuba e participou no almoço. Aliás, foi a especialista quem primeiro avaliou para o jornalista o sentido das palavras de Fidel. "Não creio que ele estivesse a rejeitar as ideias da Revolução. Interpretei mais como sendo um reconhecimento de que, no modelo cubano, o Estado tem um papel demasiado dominante na vida económica do país", reproduziu ele no seu blogue (www.theatlantic.com/jeffrey-goldberg/), onde tem vindo a publicar um relato dos dias que passou com Fidel Castro.

A constatação do "esgotamento" do modelo económico vigente em Cuba não é exactamente uma novidade: Raúl, o irmão de Fidel que assumiu a Presidência em 2008, depois de uma doença gastrointestinal ter forçado o afastamento de El Comandante, tem feitos frequentes referências à necessidade de reformas que tornem a economia mais "eficiente".

"Só conhecemos o que Goldberg escreveu, mas parece que 50 anos mais tarde Fidel descobriu aquilo que todos os cubanos sabem e que é que o sistema não funciona", comentou ao PÚBLICO o director do Cuba Study Group de Washington, Tomas Bilbao. Para este analista, o comentário de Fidel pode revelar-se "extremamente valioso", uma vez que "pode ajudar a suportar o processo de reformas dentro de Cuba". "O facto de o seu primeiro comentário sobre os assuntos domésticos encorajar uma mudança no sistema é francamente positivo", considerou.

Em Miami, Omar Lopez Montenegro, director da Cuban-American National Foundation, ficou surpreendido com a admissão de Fidel Castro, que leu como "um reconhecimento de fracasso que ninguém esperava".

Mas este exilado cubano, que fugiu da ilha há 18 anos, não acredita que as palavras do líder antecipem uma mudança de rumo. "Tem-se falado muito de mudanças em Cuba, e o regime tem procurado projectar essa ideia para o exterior. Mas na realidade, na vida quotidiana de milhares de cubanos, nada aconteceu, não há mudança nenhuma", disse ao PÚBLICO.

Na sua opinião, o que está a acontecer hoje em dia é o mesmo que se viu "na Jugoslávia, na Checoslováquia, há 50 anos, quando se abriram algumas actividades à iniciativa privada". "O regime sempre disse que era diferente da União Soviética, mas Cuba foi o país comunista que aplicou o modelo estalinista mais à regra, que nunca permitiu o empreendedorismo", refere.

Castro reemergiu do "exílio" em Julho para, notam vários analistas, se estabelecer como um "estadista" cuja opinião é relevante na esfera internacional. Até por isso o seu desabafo sobre a economia é inédito: Fidel tem evitado pronunciar-se sobre a política interna para não ser acusado de interferir com a governação ou de representar um obstáculo à liderança do irmão. Mas, segundo Julia Sweig, "a conclusão de Fidel é consistente com o consenso geral em Cuba e perfeitamente em linha com a posição de Raúl".

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