Ricardo foi às olimpíadas perceber que a Matemática é para pessoas normais

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As provas duram entre duas a três horas, conforme o ano de escolaridade dos alunos PAULO RICCA

Cerca de 90 alunos disputaram a final das Olimpíadas da Matemática, em Braga. Os vencedores farão parte de um grupo de onde sairão os participantes nas provas internacionais

Sexta-feira, 9h29. Com pontualidade, o professor entra na sala com os enunciados da prova. "Finalmente!", atira, impaciente, um rapaz numa das mesas da entrada. Em cima das secretárias há esferográficas, lápis e três folhas brancas numeradas. Pouco tempo depois, ouve-se a frase pela qual aquelas 15 crianças aguardavam: "Boa sorte e divirtam-se. É mais fácil do que ir ao metro." Foi o "apito inicial" das Olimpíadas da Matemática, que terminaram ontem, em Braga.

Noutras cinco salas da Escola Secundária de Carlos Amarante há 75 participantes. Pela primeira vez há alunos dos 6.º e 7.º anos a participar nesta competição, organizada pela Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM). De repente um enorme silêncio invade o corredor com paredes cobertas de azulejos verde-água. Minutos antes, o burburinho era o tom naquela ala da escola.

Enquanto se aguardava pelo início da prova, um grupo de antigos participantes das olimpíadas dava algumas dicas aos colegas mais novos. Tratam de desanuviar o ambiente com piadas e propõem exercícios de respiração. Os participantes aguardam, expectantes.

Entre eles está Diogo Pereira, aluno do 7.º ano na secundária José Falcão, em Coimbra. Quando se inscreveu nas olimpíadas, só queria passar a primeira eliminatória, na sua escola. "Correu bem e agora estou na final", conta. Mas, já que aqui chegou, espera ganhar. Decidiu participar, porque gosta "muito" de Matemática, embora não consiga explicar porquê.

Diogo não pára de agitar a perna direita, mas garante não estar nervoso. "É tique", justifica, enquanto esboça um sorriso meio escondido pelo cabelo encaracolado que lhe tapa parte da cara. Tal como ele, 30 alunos dos 6.º e 7.º anos participam na final da competição, pertencem à "categoria júnior". É a primeira vez que tal acontece, e faz parte da estratégia da SPM de alargar as acções de promoção da disciplina a anos cada vez mais baixos. Até agora, as olimpíadas estavam abertas aos alunos do 8.º ao 12.º.

Na categoria júnior também participa Eduardo Carvalho, do Grande Colégio Universal, no Porto. Está rodeado de colegas que não conhecia antes de ter chegado a Braga. "São uns infiltrados", graceja, enquanto tenta contornar a algazarra para explicar que se inscreveu nas olimpíadas "para poder competir nos regionais". Mas a boa prestação acabou por valer-lhe um lugar na final. Agora quer "pelo menos, um lugar nos medalhados".

A maioria destas crianças e jovens não se conhecia antes, mas rapidamente se estabelecem laços. Alguns deles bastante duradouros, explica o coordenador das Olimpíadas da Matemática, Luís Merca. "Temos alguns olímpicos que chegaram aqui no 8.º ano e continuaram a participar nas fases finais até ao 12.º. Acaba por criar-se uma espécie de comunidade", conta. A visível boa disposição nunca "passou das marcas", garante: "Nunca tive um problema de disciplina, nestes anos todos."

Fim-de-semana fora

São estudantes do básico e secundário, miúdos como os outros. E isso surpreendeu Ricardo Pereira. "Esperava encontrar matemáticos tímidos e introvertidos e afinal são todos muito animados. São todos pessoas normais", afirma o rapaz de 12 anos, aluno do Externato Didaxis, em Famalicão. Com os colegas de competição partilha o gosto pela Matemática: "A minha disciplina preferida. Gosto de ter que fazer raciocínios e associar o que nos é dado. Acho que isso nos pode ser útil."

Tal como ele, a maior parte dos participantes passou o fim-de-semana fora de casa, num local onde não conhece quase ninguém, mas isso não o preocupa. "Isto parece estar bem organizado."

O coordenador Luís Merca reconhece que essa parte da organização é das mais complicadas, ainda para mais num ano em que há crianças mais pequenas a começar a participar na prova.

"Estávamos receosos relativamente à reacção dos pais", explica. O que é certo é que, um ou outro familiar dos participantes passou o fim-de-semana em Braga, mas os estudantes ficaram sozinhos no hotel, sem problemas. "Estes miúdos são muito autónomos, muito responsáveis", avalia Merca.

Duas ou três horas depois do "apito inicial"- a duração depende das três categorias em que aos estudantes dos 6.º ao 12.º ano são agrupados -, os três problemas propostos foram resolvidos. No dia seguinte, os 90 participantes repetem a dose. E é a soma desses resultados que apura os medalhados (três de ouro, três de prata e seis de bronze, em cada categoria). Os resultados foram ontem anunciados no Theatro Circo de Braga.

Medalhados

Diogo e Ricardo não chegaram às medalhas, mas Eduardo cumpriu o objectivo a que se tinha proposto. "Até podia ter chegado mais longe, mas tive uma branca num dos problemas", conta com a medalha de bronze da categoria júnior ao pescoço. O ouro foi para Bruno Carvalho, da secundária Padrão da Légua, em Matosinhos; Gabriel Figueira, da EB 2,3 Ferreira de Castro, em Mem Martins; e Pedro Capitão, da básica de Telheiras, em Lisboa. Mesmo assim, Eduardo está contente por ter ganho uma medalha na primeira participação, o que lhe dá motivação para voltar a inscrever-se nas olimpíadas no próximo ano, confessa.

Ser repetente, nestes casos, é um bom sinal. É o caso de Miguel Santos, 17 anos, da secundária de Alcanena, a quem ontem foi entregue a terceira medalha de ouro em cinco anos na competição. "Eu já gostava de Matemática, mas as olimpíadas fizeram-me compreender que este pode ser o meu futuro", afirma, confessando que quer seguir os estudos no ensino superior naquela área.

Miguel partilha a medalha de ouro da categoria B (para alunos do secundário) com Raul Penaguião, da secundária Santa Maria, em Sintra; e Diana Macedo, da escola Diogo de Gouveia, em Beja. Na categoria A (8.º e 9.º anos) os premiados foram Francisco Andrade, da escola Padrão da Légua; Nuno Santos, do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, no Porto; e Paulo Mourão, da EB 2,3 Fernando Pessoa, em Santa Maria da Feira.

Os medalhados são os melhores dos mais de 42 mil alunos, de mil escolas, que participaram nas várias fases de selecção para a final das olimpíadas.

Esta semana, o grupo de vencedores entra num estágio organizado pelo Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, de onde vão sair os representantes portugueses para as competições internacionais. É destes que vão ser seleccionados quatro alunos que irão às Olimpíadas Internacionais, na Holanda; seis vão à competição ibero-americana, que este ano se realiza na Costa Rica; e outros tantos vão participar na primeira edição das Olimpíadas da Lusofonia, em Coimbra.

"Estas provas servem para sinalizarmos precocemente alunos com capacidades para a disciplina", aponta Luís Marca. A "nata da Matemática", como lhes chamaria a directora da secundária Carlos Amarante, Hortense Santos, na cerimónia de abertura da competição. Eles são uma elite. E são afinal pessoas normais.

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