Governo quer recapitalizar banca em troca de crédito às empresas

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Seguro garante que existe folga... fotos: Rui Gaudêncio

Processo de recapitalização deve receber em troca libertação de crédito para empresas. No primeiro dia de debate sobre Orçamento, Passos garantiu que não há folgas e não será negociado novo prazo de ajuda

Os reajustamentos aplicados ao programa de assistência financeira que o Governo está a negociar com a troika, no âmbito da actualização do memorando de entendimento, deverão passar por estabelecer contratos de contrapartidas com os bancos: a recapitalização da banca deverá acarretar a libertação de crédito para as empresas privadas.

Ontem, no primeiro dia do debate na generalidade sobre o Orçamento do Estado (OE) para 2012, o primeiro-ministro nunca revelou como é que essa operação será realizada, garantindo insistentemente que Portugal não vai pedir "mais dinheiro", nem "mais tempo" às autoridades internacionais.

No entanto, o secretário-geral do PS, António José Seguro, chegou a perguntar a Passos Coelho como é que o Governo pretende fazer corresponder a recapitalização da banca à disponibilização de crédito para as empresas. "Por cada mil milhões de euros, quanto será concedido às empresas privadas?", questionou. Mas ficou sem resposta. E ao longo de todo o dia (a discussão terminou perto das 20h), o assunto não foi mais referido. O executivo prefere, por ora, ser prudente nas declarações sobre o tema. Até porque as negociações com a banca continuam a ter alguns entraves, como foi já noticiado pelo PÚBLICO.

A discussão no Parlamento, feita quase sempre num tom morno, foi praticamente dominada pela insistência dos socialistas em garantir que existe uma folga orçamental para suavizar as medidas de austeridade.

Depois de Seguro ter pedido um alargamento do prazo de assistência para três anos e menos sacrifícios, coube ao líder parlamentar, Carlos Zorrinho, e a outros deputados questionarem o primeiro-ministro sobre a "almofada" no OE. Passos mostrou-se irredutível: "Não há nenhuma folga nas cativações", disse em resposta ao socialista Pedro Nuno Santos, que tinha considerado esta despesa congelada, no valor de 1000 milhões de euros, como uma "folga orçamental" (ver outro texto). A recusa de Passos foi reiterada pelos líderes das bancadas que apoiam o Governo. Luís Montenegro, do PSD, disse que "desde a primeira hora e até ao fim não se podem permitir folgas", tendo sido secundado por Nuno Magalhães, do CDS, que notou ainda que o Governo deve fazer "o que prometeu, sem esquecer os mais desfavorecidos". "E nisso não pode ter um dia folga", defendeu.

A intervenção inicial de Passos, que reflectiu a partilha de ideias com o PS, sublinhou recorrentemente o "consenso alargado" em torno do OE. Considerando que este "é o orçamento da estabilização económica" e da "preparação para a recuperação" da economia nacional, Passos reiterou o objectivo de reduzir "até ao final da legislatura o nível de despesa pública em percentagem do PIB para valores na ordem dos 43%". Uma redução "sem precedentes na nossa história recente", acrescentou (ver caixa).

Admitindo os sacrifícios que serão impostos aos portugueses, o chefe do Governo, assim como os deputados sociais-democratas e centristas, lembraram, ao longo do debate, que a proposta do OE possui medidas de "ética social". Como o aumento das pensões mínimas e rurais e a isenção de IRS nas prestações sociais.

Passos recusa "malabarices"

Os cortes dos subsídios de Natal e férias da função pública e pensionistas foram sobretudo referidos nas perguntas do BE e do PCP. O bloquista Francisco Louçã chegou a prometer ao Governo que votaria favoravelmente "qualquer proposta de qualquer bancada" para manter um dos subsídios. Contudo, isso não convenceu Passos Coelho. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, acusou o executivo de seguir a "política do mal menor" e aproveitou para refutar o Bloco e criticar o PS, notando que a proposta de suspender apenas um dos subsídios corresponderia a "cortar uma perna".

Em diversas intervenções, o BE questionou o Governo sobre o aumento do IVA na restauração para a taxa máxima. "É o imposto mais injusto", qualificou Louçã. Que, a pretexto das "malabarices" (sic) negadas por Passos em relação às cativações, aproveitou para dizer que esta nova palavra, usada por Passos, devia ser filha de "malabarismo e aldrabice". O Parlamento desanuviou com risos.

Se Passos preferiu ser dócil com as bancadas da esquerda, já Vítor Gaspar, ministro das Finanças, não hesitou em acusar o BE e o PCP de um eventual fracasso do programa de assistência e de dividir o país. "Noto, com desgosto, que aqueles que referem a inevitabilidade do fracasso do programa, são aqueles que mais dividem os portugueses e favorecem, por acções e atitudes, um tal desfecho", disse, sem alterar o seu tom pausado de voz.

Em resposta às perguntas da oposição, que apontavam que a Comissão Europeia estimou ontem que em 2012 Portugal poderá ter uma recessão de 3% (superior ao previsto, de 2,8%), Gaspar garantiu que as previsões de crescimento do OE estão "confortavelmente dentro da margem de erro".

As estimativas do Governo, explicou, já integravam "previsões mais actualizadas do Fundo Monetário Internacional". "Consequentemente, uma grande parte da revisão estava já reflectida no nosso cenário macroeconómico", disse o ministro.

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