Um Governo em perda moral

Na EDP ou na Águas de Portugal, o Governo esbanja o escasso capital político que lhe sobra para as reformas

O Governo e os accionistas da EDP escolheram um caminho ambíguo para explicar a nomeação de personalidades dos partidos da maioria para o conselho geral e de supervisão da empresa. Dizendo que a escolha de tantos militantes ou apoiantes foi da exclusiva responsabilidade dos accionistas, acabaram por legitimar a suspeita de que em Portugal a tão desejada "liberdade económica" apregoada por Passos Coelho no seu discurso de Natal é mesmo uma miragem. Mesmo que não falte currículo a Fernando Catroga ou a Braga de Macedo, custa acreditar que a procura dos melhores quadros tivesse de ser confinada de forma tão gritante à geografia dos partidos do poder. Havendo talento por outros lados, são legítimas duas explicações: ou o Governo pressionou os accionistas para escolherem quem escolheram; ou, igualmente grave, os accionistas fizeram estas opções para lisonjearem o executivo e ficarem à luz dos negócios do Estado. Seja como for, depois do assalto à Caixa Geral de Depósitos, a hospitais-empresas ou a ínfimos lugares do aparelho do Estado, o que aconteceu na EDP e se repetiu na Águas de Portugal prova que o Governo está a gastar depressa um activo político precioso para legitimar a austeridade e as reformas: a credibilidade e a ética pública. A voracidade com que os apparatchick do PSD e do CDS disputam e se instalam nas sinecuras do Estado pode ser igual à do PS, mas desta vez os efeitos muito mais danosos: as dificuldades com que os portugueses se confrontam reduziu-lhes a tolerância para o festim dos boys. Mais do que nunca, o país precisa de um Governo que aposte na transparência e preserve a margem de consenso social e político que faz o cimento da democracia. Até agora, Passos e Portas estão longe de estar à altura desse desafio.

O último acto da chantagem de Jardim

Ontem, Alberto João Jardim entendeu passar da habitual estratégia de chantagem para a ameaça: diz ele que não assinará um programa de assistência financeira "inexequível", abrindo conscientemente uma crise política. na qual não se demitirá, longe disso, porque não quer fazer a vontade "aos senhores de Lisboa". Jardim sabe, certamente, que as dívidas contraídas pela Madeira não lhe deixam margem de manobra para exigências. Mas, mesmo assim, tem andado a rodear o problema, tentando empréstimos avulsos sem êxito, primeiro junto da banca, depois junto do próprio Governo central que, desta vez, não lhe fez a vontade. Os mais de 6,5 mil milhões da dívida madeirense, a que se somam 1365 milhões de responsabilidades financeiras assumidas pelas PPP rodoviárias, são um enorme buraco que já não tem remédio. Com a sua peculiar linguagem de estadista, Jardim diz que precisa de dinheiro "como de pão para a boca" e que é "com as calças na mão" que anda a desafiar os ditames da troika. No entanto, por mais longe que queira levar este último acto da sua opereta, Jardim sabe que não terá outra saída senão assinar o que diz que não assina. Nenhuma outra via lhe resta, e de nada valem ameaças ou chantagens. A dívida não se paga sozinha.

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