Mea culpa?

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Carvalho da Silva não vê o protesto como uma guerra de gerações RUI GAUDêNCIO

Nas reivindicações apresentadas por quem hoje decidiu sair à rua há uma crítica implícita às gerações mais velhas

Perguntámos a actuais e antigos dirigentes se se sentem culpados quando ouvem esta Geração à Rasca falar. E o que podem fazer para responder ao que é reivindicado.

Razões de queixa

Bagão Félix

Professor universitário

Ex-ministro do Trabalho

As gerações mais novas podem ter, de facto, algum capital de queixa. Há hoje um certo egoísmo ético geracional, ao nível, por exemplo, dos recursos naturais, dos meios que se esgotam (as florestas, o ambiente), mas também ao nível do Estado social, cuja construção se deixou enredar por uma ideia de que os beneficiários são sempre os primeiros a chegar, e não os últimos. Isso leva a que as pessoas sintam que a próxima geração vai ter menos direitos do que a anterior - o que, em parte, é verdade.

Há outro ponto essencial: um mercado de trabalho atrofiante para aqueles que querem ingressar, mesmo que tenham formação superior. Por isso digo que é preciso flexibilizar a contratação no sentido de haver soluções intermédias, contratos a termo mais alargados.

Se me sinto culpado pelas decisões que tomei enquanto ministro? Sinto-me mais responsável enquanto membro de uma geração mais velha. É difícil falar em causa própria, mas acho que o Código do Trabalho, a principal expressão das minhas funções, reflecte a preocupação de que falo de flexibilizar. Mas há um ponto importante: aumentei a licença de maternidade até aos cinco meses, mas foi um passo tímido; hoje teria aumentado mais; um dos grandes problemas das novas gerações é a falta de nascimentos - que vai limitar mais ainda os benefícios do Estado social.

Como professor digo aos meus alunos: podem esquecer tudo o que lhes digo, só não esqueçam o fundamental na formação superior, que é a formação de carácter, de mundividência, de universalidade e de preparação para os obstáculos. A vida é uma corrida com muitos obstáculos.

Não consegui despedimentos mais fáceis

Francisco van Zeller

Presidente do Conselho para a Promoção da Internacionalização

Ex-presidente da Confederação da Indústria Portuguesa

A minha responsabilidade como antigo dirigente da CIP foi não ter conseguido um mais fácil despedimento do pessoal. Porque, se fosse mais fácil despedir, era mais fácil contratar. Dialoguei com vários governos, nenhum teve abertura. Quem paga esta enorme rigidez laboral? São estes que estão à rasca. Também é preciso que se diga que a precariedade existe em muitos dos países ricos que invejamos. E a minha opinião é que é melhor ser precário do que desempregado.

Não há uma guerra

Manuel Carvalho da Silva

Secretário-geral da CGTP-IN desde 1999

Sinto-me muito feliz e recompensado por ver a juventude reagir à exploração violenta a que está sujeita. Não interpreto os actuais protestos como guerra entre gerações. O desemprego e a precariedade laboral estão a atingir, cada vez mais, todas as gerações, inclusive profissões altamente qualificadas. A precariedade é um problema laboral, mas há muito que se tornou sócio-laboral, sócio-económico, sócio-político e de modelo da sociedade. A ideologia e práticas dominantes (o neoliberalismo) inerentes à actuação do poder financeiro e económico e dos governos que os vão servindo são a causa destas inseguranças e instabilidades a que os jovens estão mais sujeitos e com que pretendem negar-lhes a esperança e a confiança no futuro. A CGTP-IN tem denunciado e combatido estas políticas e não tenho dúvida de que também os jovens serão capazes de definir bem os conteúdos e os destinatários dos seus protestos.

Este é um movimento com componentes e características ainda longe de poderem ser devidamente clarificadas. Por outro lado, é bem visível, no posicionamento de certas forças conservadoras, a pretensão de "convocar" a juventude para, num processo de manifestação de curta duração e com contradições, a desarmar na sua extraordinária capacidade de acção e, se possível, aproveitar a ocasião para descredibilizar movimentos sociais organizados e credibilizados. A esmagadora maioria dos jovens que vão estar nestas manifestações vai deixar, positivamente, sinais e desafios aos sindicatos, a outros movimentos sociais e às forças políticas que buscam caminhos alternativos às políticas que vêm sendo prosseguidas. Há que estar atento, fazer análise, incorporar nos projectos e na acção as suas justas reivindicações e contribuir para que participem mais na sociedade.

Procurar soluções. Juntos

Pedro Lynce

Deputado

Ex-ministro do Ensino Superior

Atirar responsabilidades para cima de outros não concordo. O momento é o de procurarmos todos a melhor solução. E isso passa pelo crescimento da economia portuguesa.

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