TDT e conteúdos, uma oportunidade perdida

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Na maior parte dos países europeus, a implementação da Televisão Digital Terrestre (TDT) permitiu que as populações passassem a ter acesso a uma oferta mais variada de conteúdos. A emissão digital permite que, na mesma largura de banda, mais canais possam ser transmitidos e por isso as populações, na maior parte dos nossos vizinhos europeus, puderam, de forma gratuita, aceder a mais de uma dezena de canais. Em alguns países mais desenvolvidos, até mais de 30 canais.

Em toda a Europa, a passagem para a TDT significou a multiplicação de canais nacionais, regionais e temáticos gratuitos. Por exemplo, em Espanha são emitidos pela TDT, em sistema aberto, oito canais de TV pública, 29 canais privados, quatro canais de alta definição, 22 canais de rádio, além de existirem canais regionais e locais. E ainda há três canais de TDT paga.

Em Portugal, a TDT apenas trouxe consequências negativas para as populações: foram obrigados a gastar umas dezenas de euros em receptores digitais para continuarem a ver os mesmos quatro canais. Perdem as populações e perde o país e a economia nacional, que tinha uma oportunidade de ouro para impulsionar aquela que já é considerada uma das mais importantes indústrias do futuro: a indústria dos conteúdos digitais. Mais uma vez, ficamos na cauda da Europa e com isso perde todo um sector que poderia crescer de dimensão se mais canais operassem em sinal aberto.

Imagine-se o potencial de crescimento de canais nacionais como a SIC Radical, o Porto Canal, o Canal 180 ou o Canal Q. Ou o impacto dos canais informativos que chegariam a mais do dobro da população. Esta exposição adicional significaria um aumento da notoriedade, das receitas publicitárias, o que permitiria multiplicar as suas produções, desenvolver novos formatos e conteúdos para além dos tradicionais talk shows (que inundam os canais nacionais devido ao seu baixo custos de produção).

Novas e maiores audiências iriam permitir que estes canais pudessem trabalhar com produtores independentes de TV no desenvolvimento de séries ou documentários, na produção de conteúdos infanto-juvenis (que em Portugal é quase inexistente), que permitiram a produtoras e canais criarem catálogo de formatos que possam ser exportados e geradores de receitas em novas janelas de exibição e novas plataformas.

A falta de visão da classe política nacional sobre o tema das indústrias criativas vem agravar uma situação já quase insuportável para o frágil sector de produção independente de TV e cinema. Enquanto por toda a Europa os governos, mesmo em tempo de crise e recessão (ou se calhar por isso mesmo), lançam medidas públicas de dinamização das indústrias criativas, em Portugal estamos em contraciclo.

O sector tem sentido uma contracção, resultado da crescente verticalização da operação dos dois operadores privados de televisão em sinal aberto, em que a produção independente externa tem uma presença muito reduzida nas suas grelhas. Por outro lado, os canais de cabo, por falta de imposições legais, ao contrário do que acontece noutros países, quase não produzem ou contratam produtoras e empresas locais. Muitas das emissões são realizadas fora do país e algumas delas nem dobradas ou legendadas em português. Sem a regulamentação adequada, o sucesso do cabo apenas irá contribuir para acabar com a indústria audiovisual nacional.

A produção independente de TV é, na maioria dos mercados internacionais, a grande responsável pela criatividade e inovação da produção televisiva, pela garantia de qualidade e pela dinamização das exportações de conteúdos. Um sector audiovisual independente garante uma multitude de vozes, uma representação adequada da cultura e sociedade portuguesas e uma forma económica geradora de riqueza que pode fomentar o emprego e as exportações. Entre 2008 e 2011, este sector nacional ganhou mais 50 galardões em prestigiados eventos internacionais. No entanto, continua a ser prejudicado por decisões políticas que impedem o seu crescimento, como é o caso da TDT em Portugal.

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