Passos Coelho obteve mandato do partido para negociar "medidas duras"

As negociações com o Governo para o pacote de austeridade levaram o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, a pedir ao partido um mandato claro para negociar com o Governo as medidas "duras" para redução do défice orçamental. No Parlamento, se há vozes mais críticas a este volte-face em relação ao aumento de impostos - contra o qual sempre se bateu -, ficaram caladas.

No final de uma reunião com a bancada parlamentar, o líder do PSD quis passar a mensagem de que os sacrifícios são para todos, do Estado aos privados. "Não pode ficar de fora o Estado central, as regiões autónomas, as câmaras municipais, as empresas públicas e todas as actividades - da banca a qualquer empresa", disse Passos Coelho, que confirmou os contactos por telefone com o primeiro-ministro.

Da parte do PSD, a única proposta concreta foi o corte de 2,9 por cento nos salários dos políticos e gestores públicos, justificada, segundo Passos Coelho, porque "a classe política deve dar o exemplo". E admitiu que até podia ser pedido mais do que 2,9 por cento. Foi quase só neste ponto que incidiu um reparo às propostas do PSD na bancada parlamentar. Pacheco Pereira defendeu a separação entre as duas categorias, alegando a legitimidade democrática de quem é eleito.

Críticas violentas

Só em surdina se ouviram algumas dúvidas. "Sou contra o PSD antecipar-se em dizer que está disponível para o aumento de impostos. Se calhar são mesmo necessários porque a situação pode ser mais grave do que se sabe", desabafou um deputado social-democrata ao PÚBLICO. É o aumento de impostos que pode ser mais complicado de gerir politicamente, já que Passos Coelho tem defendido com unhas e dentes a manutenção ou mesmo redução da carga fiscal.

Se na bancada do PSD o tom das intervenções foi de apoio ao líder, no conselho nacional extraordinário, que se realizou anteontem em Santarém, apenas Castro Almeida votou contra duas das medidas contidas na carta de orientações, as condições prévias que com que Passos Coelho parte para as conversações com José Sócrates. "Não é justo pedir às empresas e às famílias que contribuam ainda mais para o despesismo e a falta de rigor do Estado", defende o ex-vice-presidente da direcção de Manuela Ferreira Leite. Castro Almeida foi também o único conselheiro a votar contra o corte dos vencimentos dos políticos e gestores públicos. A medida colhe, no entanto, o apoio do ex-líder parlamentar, José Pedro Aguiar Branco, e de Marcelo Rebelo de Sousa, que iria mesmo mais longe neste momento. Por exemplo, "cortando nas despesas correntes da classe política".

Fora dos dois partidos, as reacções críticas fizeram-se ouvir. À direita, o líder do CDS, Paulo Portas, já veio lembrar que o PSD se absteve na proposta de reduzir prémios de gestores públicos ao mesmo tempo que apontou contradição ao Governo que "ao mesmo tempo está a assinar o TGV e a aumentar impostos". À esquerda, o secretário-geral do PCP apelou à participação maciça na próxima manifestação da CGTP. Jerónimo de Sousa acusou os dois partidos de "dar mais um passo numa ofensiva sem precedentes" que considera estar contra os "trabalhadores, o povo e o país".

No plenário, ao início da tarde, o já previsível aumento de impostos motivou críticas violentas dos partidos mais pequenos. A abrir o debate de urgência agendado pelo BE, o deputado José Gusmão acusou o Governo de "quebrar compromissos anteriores", ainda por cima com "medidas que apontam ao coração do poder de compra, o principal motor da recuperação económica". Pelo PCP, Honório Novo acusou o Governo de apenas aplicar as medidas "impostas por Bruxelas", não tendo um "rumo para o desenvolvimento do país". Heloísa Apolónia, dos Verdes, foi a mais violenta. Lembrando que no último debate quinzenal Sócrates tinha descartado o aumento do IVA, acusou o primeiro-ministro de "recorrentemente mentir à Assembleia da República".

Nem mesmo a abertura do PSD para negociar as medidas com o PS impediu o deputado Miguel Frasquilho de atacar o Governo. Acusou José Sócrates de estar em "estado de negação" mas, acrescentou depois, "temos a casa a arder". "Temos de atirar água sobre o fogo. Alguns móveis irão estragar-se, mas as fundações têm que ficar de pé", terminou.

O ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, optou por afirmar o bom trabalho do Governo no "modo como tem decorrido a execução orçamental em 2010".

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