Cortes a desempregados e doentes rendem 180 milhões

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Cortes nos subsídios vão agravar condições de vida dos desempregados Manuel Roberto

Nem os grupos mais fragilizados vão escapar ao "enorme aumento de impostos". Trabalhadores de baixa, desempregados e recibos verdes pagam factura elevada

Nem os grupos mais fragilizados da sociedade vão escapar ao "enorme aumento de impostos" no próximo ano. A versão preliminar da proposta de Orçamento do Estado (OE) de 2013 inclui uma nova contribuição sobre os subsídios de desemprego e os subsídios de doença, que poderá render, pelo menos, 180 milhões de euros aos cofres do Estado. E os trabalhadores a recibos verdes vão ser duplamente castigados no IRS.

Em 2013, o agravamento da carga fiscal vai tocar a todos. As empresas vão pagar mais IRC, as fundações perdem isenção deste imposto e do IMI, aumenta a tributação nas mais-valias, no tabaco e nos automóveis e sobem os custos para quem tem casa. Além disso, todos os trabalhadores vão pagar mais IRS. Mas, desta vez, nem as camadas mais frágeis da sociedade ficam ilesas.

De acordo com a versão preliminar do Orçamento do Estado, a que o PÚBLICO teve acesso, os subsídios de desemprego e de doença vão ser sujeitos a uma contribuição no próximo ano, de 6% e de 5%, respectivamente. O Governo garante que ficam salvaguardados os valores mínimos destas prestações: ou seja, 419,22 euros no caso do subsídio de desemprego e 125,77 euros no subsídio de doença, excepto quando a remuneração que serviu de base para calcular a prestação seja inferior.

Quase meio milhão de pessoas poderão ser afectadas. Para o Estado, o encaixe rondará, pelo menos, os 180 milhões de euros, uma estimativa que foi feita com base no valor dos subsídios pagos pela Segurança Social até Agosto passado e extrapolando-o para a despesa anual de 2012. Ou seja, não contando nem com um agravamento do desemprego em 2013 que o Governo já assumiu, nem com os desempregados que possam vir a perder o subsídio de desemprego, já que o desemprego de longa duração está a subir, fruto da dificuldade em encontrar empregos.

Nos primeiros oito meses de 2012, a Segurança Social pagou 1692 milhões de euros em subsídios de desemprego, mais 23% do que no mesmo período de 2011. Os números mais recentes da Segurança Social, relativos a Julho passado, apontam para 361 mil beneficiários, mais 26% do que em igual período homólogo de 2011. Quanto ao subsídio de doença, houve cerca de 91 mil beneficiários até Julho de 2012, menos 4% do que em igual período de 2011. Mas pagou-se 290 milhões de euros, contra 397 milhões em Julho de 2011.

Caso se mantivesse o peso do custo dos primeiros oito meses no total do OE de 2012, o apoio aos desempregados custaria menos 150 milhões de euros. Mas caso se introduza algum agravamento no desemprego (10%, por exemplo) e algum corte nos apoios à doença (4%), a "poupança" conseguida - mesmo assim - poderá chegar aos 190 milhões de euros.

A questão que se levanta é para que quererá o Governo uma "poupança" nos gastos com o desemprego e com a doença, sabendo-se que a situação social dos desempregados se tornará cada vez pior, com as mexidas previsíveis. O Governo ainda não disse que medidas irá tomar no primeiro trimestre de 2014 para ir ao encontro do memorando da troika - no sentido de tornar os apoios ao desemprego menos desincentivadores de aceitação de empregos.

Recorde-se que o PÚBLICO tem informação - não desmentida pelos diversos ministérios contactados - que o Governo se prepara para fazer tábua rasa do acordo social conseguido em Janeiro passado e acabar, para quem está ainda empregado, com os direitos adquiridos quanto à duração do subsídio de desemprego. Isto depois de o Governo ter já reduzido significativamente este ano o valor máximo do subsídio de desemprego e fixado um corte progressivo na sua duração. Do mesmo modo, o subsídio de doença também já tinha sofrido alterações: desde Julho, a percentagem paga desceu de 65% para 55% do salário no primeiro mês.

Para o sociólogo Manuel Villaverde Cabral, a intenção por detrás dos cortes nestas prestações sociais é clara: desincentivar casos de subsídio-dependência. "Há situações menos aceitáveis e é isso que o Governo está a tentar apanhar", disse ao PÚBLICO, salvaguardando, contudo, que as camadas mais pobres da sociedade têm sido poupadas.

As novas mexidas nas prestações sociais surgem numa altura em que o Governo tem ainda entre mãos o polémico dossier de aprovar uma redução da Taxa Social Única (TSU) das empresas, como forma de estimular a produtividade. O estudo feito pelo Governo em Julho de 2011 apontava para diversas soluções alternativas à descida generalizada da TSU. O apoio à criação de emprego, tal como estava desenhado, custaria cerca de 480 milhões de euros; uma medida de apoio de incidência sectorial poderia custar entre 80 e 360 milhões de euros, mas poderia ser recusada pelas instâncias comunitárias; a redução da TSU para salários mais baixos poderia custar entre 282 e 325 milhões. Será que o Governo irá fazer os desempregados pagar os apoios à produtividade? A proposta preliminar do OE não dá ainda resposta a esta questão.

Aos desempregados e aos beneficiários do subsídio de doença vem ainda juntar-se outro grupo duplamente atingido: os recibos verdes. Os trabalhadores independentes do regime simplificado vão pagar mais IRS, por duas vias. Além de toda a subida das taxas do imposto (quer por via da redução de escalões, quer da sobretaxa de 4%, quer da redução das deduções à colecta que afectam todos os contribuintes), os recibos verdes passarão a ter uma fatia maior do rendimento sujeito a IRS. O coeficiente de presunção dos rendimentos sobe de 70% para 80%, o que significa que, se até aqui, o Fisco considerava 30% do rendimento anual como despesa, agora só considera 20%. Ou seja, 80% do que os recibos verdes ganham passam a ser tributados no IRS.

Para a economista Manuela Arcanjo, estas medidas do OE 2013 revelam que "não há a menor preocupação social por parte deste Governo". "Do ponto de vista social, é um orçamento demolidor", que vai degradar mais as condições de vida de milhões de portugueses e criar "novos pobres", conclui. com Raquel Martins

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