Medicamentos perigosos em 70 por cento da cocaína

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Estudo incidiu sobre drogas consumidas em concertos por todo o país SÉRGIO AZENHA

Análises a cocaína consumida em eventos musicais revelam presença de analgésicos e desparasitantes, que aumentam riscos do consumo

Setenta por cento das amostras de cocaína sujeitas a análise desde Abril de 2009, no âmbito do projecto Checking - um projecto nacional de teste de drogas - continham analgésicos ou desparasitantes para disfarçar a sua reduzida pureza e aumentar o seu valor comercial. As 531 análises feitas em laboratório a droga proveniente de eventos musicais de grande dimensão, em vários pontos do país, comprovam que aquele é o produto mais adulterado.

O consumo de cocaína "cortada" com fármacos como a fenacetina ou levamisole implica graves consequências para a saúde dos consumidores de drogas. Enquanto o primeiro é particularmente desaconselhável em pessoas com problemas renais e favorece a depressão cardíaca e respiratória, o segundo é um desparasitante veterinário que aumenta a probabilidade de ataque cardíaco.

A presença de levamisole na cocaína como "agente de corte" e os graves riscos associados não são uma idiossincrasia nacional. A adulteração, em especial com esta substância, foi o alerta mais preocupante do relatório anual do Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência (OEDT) divulgado em Lisboa em Novembro. De acordo com o documento, que reúne a evolução dos padrões de consumo de droga na União Europeia (UE), Noruega e Turquia, o levamisole é de todos os "agentes de corte" aquele que mais prejuízos pode causar à saúde dos consumidores. Dados citados no relatório dizem que o fármaco estava presente em 70 por cento da cocaína analisada nos EUA.

Além da cocaína, a adulteração é vulgar nas chamadas drogas sintéticas, mas o resultado é o mesmo: o utilizador desconhece o que consume. A venda de substâncias como PMA ou mCPP, compostos sintetizados em laboratório, como se se tratasse de ecstasy, levanta riscos que resultam do desconhecimento quanto aos efeitos, nomeadamente em situações de policonsumo e quanto aos riscos provocados pela ingestão de doses excessivas. Cafeína, lidocaína, mCPP e mefedrona são os adulterantes mais comuns do ecstasy. Quarenta por cento das análises às amostras de MDMA, popularizada como ecstasy, realizadas pelo projecto desde Abril de 2009, continham alguns desses adulterantes. Estes "agentes de corte" podem causar dependência e ser responsáveis por convulsões, colapsos cardiovasculares e vários outros distúrbios.

A venda de mefedrona, por exemplo, tem sido possível em Portugal através da Internet ou directamente em smart shops. Mas este estimulante é, agora, a mais recente substância na lista de drogas ilícitas na UE. O fabrico e comercialização foram proibidos pelos ministros da Justiça da UE na semana passada. A mefedrona é uma das 110 novas substâncias detectadas desde a criação do sistema de alerta europeu em 1997. O Checking contribui para o sistema de alerta do OEDT, através do qual as novas substâncias (como a mefedrona) têm sido classificadas como ilícitas.

Redução de riscos

Este projecto da Agência Piaget para o Desenvolvimento (Apdes), co-financiado pelo Alto Comissariado para a Saúde, destina-se a analisar as substâncias psicoactivas na posse dos utilizadores, de forma gratuita e sigilosa, de modo a reduzir os riscos do consumo. O objectivo é informar os utilizadores quanto aos benefícios e riscos do consumo das drogas, porque, muitas vezes, a sua ingestão representa um grau de periculosidade superior ao que o utilizador está disposto a assumir. O Checking vai aos festivais, discotecas e eventos musicais com um pequeno laboratório, que detecta os principais componentes das drogas em 20 a 30 minutos.

A sua filosofia de intervenção - o Checking está no Porto e Viseu e em fase de instalação em Lisboa - insere-se no contexto cada vez mais frequente das políticas de redução de riscos e minimização de danos que têm vindo a ser aplicadas nos países da UE. José Queirós, coordenador-geral da Apdes, afirma que a intenção é contribuir para que os consumidores tenham acesso a mais informação sobre as substâncias e os seus efeitos".

Os peritos do OEDT têm defendido que estes projectos de análise não promovem o consumo de drogas; que desmistificam as drogas sintéticas como inócuas para a saúde; que faz com que potenciais consumidores se abstenham de consumir ou atrasem o seu consumo; e que os consumidores se tornam mais informados e com comportamentos mais sensíveis às questões da saúde.

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