Despedimentos em Bruxelas opõem ministros dos Negócios Estrangeiros e Agricultura

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António Serrano

António Serrano quis substituir dois conselheiros técnicos da REPER a meio da comissão de serviço. Uma decisão inédita que está a ser contestada a vários níveis

Os ministros dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e da Agricultura e Pescas, António Serrano, travam há vários meses um braço-de-ferro por causa de dois conselheiros técnicos da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER). O diferendo foi provocado pela decisão inédita de António Serrano de substituir, a meio das respectivas comissões de serviço, dois dos quatro conselheiros técnicos que representam o seu ministério nas grandes negociações quotidianas junto das instituições europeias: Rita Horta, responsável pela política veterinária, fitossanitária e de segurança alimentar desde 2009, e Rui Rosário, que gere o sector das pescas desde 2006.

O ministro da Agricultura deu conta da sua intenção a Luís Amado, que tem a tutela da REPER, em Dezembro, anunciando igualmente a vontade de substituir Rui Rosário por Eurico Monteiro, director-geral das Pescas há mais de 12 anos. A razão está em que Serrano deu em Outubro o lugar de Monteiro a José Apolinário, ex-presidente socialista da Câmara Municipal de Faro, que acabara de perder a autarquia para Macário Correia, do PSD.

Dentro do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), a oposição ao que já é visto como um saneamento político dos dois colaboradores mais próximos de Jaime Silva, o antecessor de Serrano que os nomeou para Bruxelas, é generalizada. Amado resistiu enquanto pôde, mas acabou por assinar no fim de Abril, e "sob proposta do ministro da Agricultura", os despachos de revogação dos dois mandatos a partir de 1 de Agosto. Pelo caminho, rejeitou a nomeação para Bruxelas de Eurico Monteiro, porque este atingiria a idade da reforma a meio de uma eventual comissão de serviço.

O desconforto de Luís Amado com a situação foi agravado pelo facto de ele próprio ter assinado, em Setembro, o despacho de recondução de Rui Rosário por um novo mandato de três anos. "O que era bom em Setembro e justificou o prolongamento por mais três anos de um contrato não pode, sem uma infracção disciplinar grave, ser anulado", reagiu Jaime Silva, ex-ministro da Agricultura do primeiro governo de José Sócrates. A demissão forçada de ambos representa "um precedente grave que nunca ocorreu mesmo com mudanças de partido político no Governo", sublinhou.

Para complicar as coisas, o MNE está agora entre a espada e a parede devido à providência cautelar de suspensão da revogação do mandato, apresentada por Rita Horta, que obriga Amado a fundamentar até amanhã o seu despacho de Abril sob pena de provocar a sua anulação. Vários responsáveis do MNE confirmam que as comissões de serviço só podem ser interrompidas com "argumentos muito bem fundamentados" e em "circunstâncias absolutamente excepcionais".

"Adequação de perfis"

Segundo António Serrano explicou ao PÚBLICO, a sua decisão resultou da necessidade de "reconstituição das equipas" e de "adequação de perfis" à "nova política agrícola do governo", citando, a título de exemplo, que Rita Horta não é especialista nos sectores da "zootecnia e veterinária".

Vários ex-ministros da Agricultura contestam esta leitura, frisando que Rita Horta, que fez toda a carreira profissional de mais de 30 anos no Ministério da Agricultura, incluindo enquanto directora-geral do seu Gabinete do Planeamento e conselheira técnica da REPER entre 1986 e 2000 (antes de as comissões de serviço estarem limitadas a dois períodos de três anos), é uma das maiores especialistas portuguesas na vertente europeia do sector. Horta "tem uma memória histórica e uma competência que nenhum ministro que se preze pode dispensar", considera um ex-ministro do sector, mediante anonimato.

Por seu lado, Rui Rosário "assegurou com êxito todas as negociações no sector das pescas, incluindo durante a presidência portuguesa da UE" em 2007, afirma Jaime Silva. Vários ex-governantes e diplomatas garantem igualmente que os conselheiros técnicos da REPER não têm de ser peritos mas, sobretudo, bons negociadores capazes de preparar o terreno para as decisões dos respectivos ministros nas reuniões a Vinte e Sete.

Para um ex-ministro da Agricultura, "se os conselheiros tivessem de ser especialistas de cada sector, então os embaixadores, que conduzem a fase final das negociações em todas as áreas, teriam de deixar de o fazer".

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