Austeridade sim, mas não para todos!

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Debate A crise internacional

A crise na UE começou com o descontrolo orçamental grego, o qual todos os líderes europeus preferiram durante anos a fio ignorar. Rapidamente se alastrou à Irlanda e a Portugal. Esta questão teria sido rapidamente resolvida caso houvesse liderança na União, dado que estas economias representam apenas 3% do orçamento da zona euro. Porém, Merkel e Sarkozy por absoluto calculismo político preferiram ignorar, assobiando para o lado, apesar dos inúmeros avisos de insuspeitos economistas e observadores políticos. Titubeantemente foram tomadas algumas medidas avulsas. Contudo, os mercados muito rapidamente se encarregaram de provar a insuficiência e exiguidade dessas medidas. Por conseguinte, esta falta de liderança e estratégia política não só resulta numa UE desorientada e confusa onde não faltam os boatos e a desinformação, mas também no ataque dos especuladores (que apostam fortemente na implosão do euro) à terceira maior economia europeia, a Itália, too big to bail out, colocando, deste modo, a zona euro em processo de profunda agonia. Não! Não é o alto défice nem sequer a elevada dívida pública que originou a subida das taxas de juro para 7%, mas sim anos de fraco crescimento económico que faz com que este país não consiga pagar a sua dívida e que os moralizadores da economia paroquial teimam em não querer ver. Como se não bastasse, pretendem estes efectuar reajustamentos através de medidas de austeridade cujo resultado será o agravamento da recessão e a provável implosão da UE. Contudo, enquanto não houver crescimento económico, não será possível pagar a dívida.

Mas a cereja em cima do bolo vem com o facto de o impecable BCE ser incapaz de parar esta espiral de acontecimentos, pois está impedido de funcionar como banco de recurso: injectando liquidez no sistema financeiro, procedendo, por conseguinte, à impressão de euros (quantitative easing), comprando dívida italiana e estabilizando, deste modo, a situação à semelhança da reserva americana, do Banco de Inglaterra, do Banco do Japão, etc., apesar de estes países possuírem piores rácios macroeconómicos do que a Itália. Acresce que é esta a razão pela qual estas economias continuam a ter baixíssimos juros. Embora esta medida possa ser já insuficiente para parar o pânico de venda nos mercados, certo é que também já não existe outra, dado o descontrolo dos acontecimentos.

Hilariantemente, apesar de Merkel e Sarkozy terem falhado miseravelmente em toda a dimensão para enfrentar esta crise, estes continuam com calculismos políticos, o que está a atirar a UE para um ponto sem retorno.

Embora os ataques especulativos não só à economia italiana possam ser fruto da ganância dos mercados, o facto é que há também uma componente política. Vale a pena lembrar que brevemente haverá eleições para a presidência nos EUA. Neste âmbito, não deixa qualquer dúvida a retórica de Mitt Romney, o mais forte candidato republicano à Casa Branca, quando afirma: "A Europa não funciona na Europa". Neste contexto, a estratégia republicana passa por destruir aquele que constitui um dos principais objectivos do Presidente Barack Obama: construir uma sociedade mais equitativa com um sistema social próximo do modelo social europeu, bem como um sistema político à semelhança das sociais-democracias do Norte da Europa. Porém, nesta equação, a fragilidade das economias periféricas é o alvo perfeito para a especulação financeira e agências de rating (controladas maioritariamente pelos republicanos) e são ouro sobre azul na estratégia republicana de desacreditação da sustentabilidade do modelo social europeu e do seu sistema universal de saúde gratuito. Acresce que procuram, ainda, desacreditar a política de estímulos económicos de Barack Obama quando afirmam que este "conduziu os EUA ao gigantesco défice, de cuja recuperação só é possível através de um fortíssimo programa de austeridade". Porém, a evidência mostra o oposto, como se pode observar pela boa aluna Irlanda, cujo programa de austeridade resultou já no aumento da taxa de desemprego para 14%, e onde as taxas de juro da dívida pública teimam em continuar nos 8% (superior à Itália). Incompreensivelmente, os mesmos republicanos opõem-se à implementação de impostos para os isentos multimilionários, que constituem apenas 1% da população. Deste modo, o Grand Old Party tenta não só desacreditar o projecto político do actual Presidente, mas também eliminar as hipóteses da sua reeleição no próximo ano.

Contudo, a retórica republicana deixa convenientemente de fora o facto de os países europeus onde o modelo social está mais amplamente desenvolvido, com melhores regalias e benefícios sociais (e, por isso, mais caro), serem aqueles onde, para além de não existir qualquer crise económica, continuam com o seu PIB a crescer, designadamente, a Alemanha, a Suécia, a Holanda, etc. Por outro lado, aqueles países onde o Estado social sempre foi mais exíguo e menos desenvolvido, são os países mais pobres onde existe actualmente uma profunda crise económica (grande parte dela originada pelas agências de rating). Daqui se demonstra que a sustentabilidade e o peso do modelo social nas contas públicas não tem nada a ver com competitividade das respectivas economias, bem como não tem nada a ver com a actual crise europeia.

Em Portugal, o novo OE originará infelizmente mais recessão. Todavia, a hipocrisia e incoerência estão patentes na aprovação do novo decreto-lei que dá conta de pagamento de horas extraordinárias ao pessoal dos gabinetes dos membros do Governo (tal como as subvenções). Austeridade sim, mas não para todos!

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