A greve dos mineiros asturianos também se faz debaixo da terra

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"As nossas famílias entendem por que estamos aqui", dizem os três mineiros que resistem a uma profundidade de meio quilómetro CESAR MANSO/AFP

Três homens estão há 18 dias encerrados a 500 metros de profundidade. Fazem, no subsolo, o mesmo que os companheiros na superfície. Tentam impedir a morte da indústria do carvão. Incomodam pouco Rajoy

No início, eram oito. Foram sendo mandados para cima pelo médico, por razões de saúde. Dezoito dias depois, três mineiros resistem aos 25 graus de temperatura e à humidade constante a 85%. No poço da mina de Santiago de Aller, nas Astúrias (Espanha), a uma profundidade de meio quilómetro, Héctor é o mais jovem dos grevistas debaixo do solo - 25 anos, seis de minas. Jorge tem 42 anos (22 na mina) e Cecilio 43 anos (16 de profissão).

"Nunca estivemos tão perto do encerramento [das minas]", disse Cecilio ao El País, através do telefone com que falam com a família, com o médico, com os companheiros.

O grupo de mineiros decidiu que seria lá em baixo que participaria na greve convocada pela Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO) e pela UGT. Uma greve indefinida, em protesto pelo corte dos apoios do Estado à indústria do carvão. Com os companheiros na superfície, alguém deveria chamar a atenção para o que significa ser mineiro - ficaram debaixo do solo, num espaço escuro, pequenino, quente, pegajoso, maligno. Não estão soterrados, por isso recebem a visita do médico da empresa para que trabalham, e de alguns companheiros que lhes levam comida, roupa, sobretudo água. A família não pode descer; fala por telefone.

Nieves Álvarez, a mulher de Cecilio, liga-lhe pontualmente ao meio-dia, para o marido perceber a passagem do tempo. "As nossas famílias entendem por que estamos aqui e vamos ficar até se cumprir o que foi assinado", disse Héctor.

O que está em causa, dizem os mineiros e os sindicatos que os apoiam (CCOO e UGT), é todo o vale mineiro asturiano e o fim da actividade tradicional desta região autónoma do Norte de Espanha. E o que está assinado é o Plano Geral da Mineração do Carvão 2006-2012, que expira no último dia de Dezembro, mas que já foi alterado pelo Governo de Mariano Rajoy (PP, direita) - as Astúrias são uma região autónoma, mas a mineração é da competência do executivo central. Em concreto, o Governo cortou, no orçamento para este ano, 63% na ajuda financeira às empresas, 39,2% no apoio às infra-estruturas, 76,6% nas verbas para projectos empresariais, 99,6% no montante para formação e 100% na parcela destinada à segurança nas minas. A participação no Instituto do Carvão baixou também em 39,1%. Para muitos - e entre eles estão os que denunciam esta indústria como um gigantesco sorvedor de recursos financeiros do Estado - Rajoy prepara o encerramento do sector. No comunicado comum, a CCOO e a UGT acusam o Ministério da Indústria, Energia e Turismo de deixar "definhar" o sector e advertem que as minas e as comarcas mineiras ficarão, muito em breve, ao abandono.

A redacção do plano 2012-2018 está em curso, e seguirá as directivas da União Europeia, que, como explicou o El País no editorial de 8 de Junho, "decidiu que as ajudas públicas devem terminar em 2018 para favorecer energias mais limpas".

A tradição mineira é antiga na região asturiana, onde muitas comunidades nasceram à volta da actividade. Dali sai entre 50 e 70% da produção de carvão de Espanha (também se extrai carvão em Leão, Palência e Aragão; ao todo, rondam os sete mil empregos directos nas minas de carvão, mas se desaparecerem serão muitos milhares os afectados.

A contestação dos mineiros é também histórica nesta região autónoma, onde é recordada a grande sublevação de 1934, esmagada pelas forças de Franco - mais de 1500 mineiros, 200 civis e 280 polícias e militares mortos.

Mal a greve começou, em Maio, os mineiros, organizados em equipas, bloquearam estradas e linhas férreas, impedindo a circulação da matéria-prima. Usaram pneus de camião e incendiaram-nos. As autoridades locais e os representantes da indústria pediram ao Governo para iniciar o diálogo, mas o apelo não teve uma resposta concreta. Ao longo da última semana, o número de polícias cresceu nas Astúrias, com reforços a chegarem de Madrid e da Galiza.

Polícias e mineiros já ficaram feridos nos confrontos - a polícia tem disparado balas de borracha, os mineiros foguetes lançados a partir de engenhos construídos com tubos. Alguns piquetes de greve - com os homens de cara coberta - espalharam-se pelos terrenos elevados e de arvoredo denso em redor das vias de comunicação, criando, com a polícia, um cenário de guerrilha.

Não se sabe quando terminará a greve. "Basta pensarmos na razão de estarmos aqui e ficamos animados", disse Héctor. "Estamos a lutar pelo trabalho de todo o vale mineiro". Mas, como notava o El País, não é fácil que o Governo de Rajoy ceda. Internamente, arrisca pouco, esperando que a agitação social, aliada ao enorme buraco financeiro asturiano, debilite o novo governo local do socialista Javier Fernández. Na frente externa, mostra que está "empenhado em demonstrar à UE a sua vontade férrea de austeridade e firmeza".

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