O regime deu-lhes 395 euros, um fato, uma camisa, uma gravata e não os quer de volta

Já são nove os ex-presos políticos cubanos que estão a viver em Madrid e a gozar o sabor da liberdade. Desconfiam das verdadeiras intenções do Governo liderado por Raúl Castro

Têm 24 horas de Espanha. No pequeno hall da Pensão Welcome, num subúrbio industrial do bairro popular de Vallecas, são facilmente identificáveis. Falam sem cessar por telemóvel. Conversas de longa distância. Com a Cuba que ficou para trás. Com os amigos de Miami, à espera que Madrid seja estação intermédia da viagem desejada. Estão cansados. Mas felizes. São os sete presos políticos que Havana libertou à espera da suavização das medidas da União Europeia. Por isso, estão desconfiados.

"Espero que o Governo cubano cumpra o que prometeu aos cardeal Jaime Ortega, mas estou preocupado", diz Omar Ruiz, de 62 anos, casado e com um filho adolescente que busca entretenimento, sem êxito, no hall. "Até agora todos os que saíram da prisão vieram para fora do país, mas há irmãos que não querem sair de Cuba, não sei o que lhes vai acontecer", prossegue Ruiz, antigo contabilista de uma empresa provincial cuja dissidência política levou à fé protestante, ao jornalismo independente e a 18 anos de prisão. Sente a falta dos outros dois filhos, fruto do anterior casamento, que ficaram em Havana. "Sou exilado político, não sou emigrante económico", insiste. Um protesto de indignação.

"A pressão internacional e do Governo espanhol teve muita influência, o Governo cubano acedeu porque o sacrifício de Orlando Zapata [morto em Fevereiro durante uma greve de fome] teve repercussão e a Igreja meteu-se pelo meio", sublinha. Mas não é optimista. "Não acredito em nenhuma mudança fundamental em Cuba, o sistema não vai mudar, não tenho esperança de liberdade política, estou certo que os dissidentes continuarão a ser reprimidos", assegura. O seu objectivo é claro: rumar para Miami onde a família da mulher o espera. Por isso, aguarda, ansioso, a visita prometida de um funcionário da embaixada norte-americana.

Sem rumo está Lestor González, com 33 anos, o mais jovem do grupo que chegou à capital espanhola na terça-feira. Foi mestre padeiro, está casado, tem um filho de oito anos e, como todos, está acusado por "ataques contra a integridade territorial do Estado". A pena para ele, um dos 75 processados na Primavera Negra de 2003, foi de 20 anos de prisão. "Informava, por Internet e telefone, sobre a violação dos direitos humanos, sou pacifista, nunca defendi a violência", afirma. "A minha sensação é que este é o começo de uma nova era", refere.

Tempos novos para ele, não para Cuba. "Vamos ser instalados por uma organização não-governamental e quero continuar a escrever", diz. "Não posso voltar a Cuba, não estou na posse de nenhum documento que diga que estou em liberdade, deram-me o passaporte e mais nada", revela. Algo intriga os familiares dos libertados que os acompanham em Madrid. As famílias podem regressar a Cuba e, pela primeira vez, os que partiram não perderam as suas propriedades. "Quando os exilados partiam, a casa era imediatamente selada e o Governo assumia a sua propriedade, mas agora foi diferente", constata Omar Ruiz.

Em roda-viva anda Ricardo González, de 60 anos, jornalista veterano e correspondente, em Cuba, dos Repórteres Sem Fronteiras. Dirigiu a revista De Cuba, a primeira publicação independente nascida sob o castrismo, foi subdirector da não-oficial Cuba Presse e estava condenado a 20 anos por "actos contra a integridade do Estado".

"Não sei quais são as intenções do Governo cubano, admito que quer melhorar a sua imagem internacional, mas este deve ser o primeiro passo para a liberdade de todos os presos políticos e para a progressiva democratização do regime", afirma. Mas uma dúvida, a mesma de Ortiz, perturba-o: "Até agora, o Governo só libertou os que decidiram emigrar e não os que tencionam continuar em Cuba. Temo que queiram utilizá-los como reféns". Quer ficar em Espanha, porque se nega a pedir autorização a Havana para voltar ao seu país. "Voltarei quando houver liberdade".

González relata os seus últimos dias. "O cardeal Ortega comunicou-me que ia ser libertado, da cela levaram-me para a prisão-hospital, onde fiz exames durante um dia, depois deram-me 395 euros, um fato, uma camisa e uma gravata", relata. "O fato não me servia, por isso fui o único a chegar sem gravata a Madrid", diz com sorrisos. "O regime vestiu-nos para estarmos apresentáveis", ironiza. Já a bordo do avião redescobriu uma sensação: "Há sete anos e três meses que não comia nada quente".

A conversa é numa cafetaria ao lado da pensão. Os cubanos e as suas famílias foram convidados por empresários da zona para um almoço. "Viva Cuba livre", gritam os anfitriões. Os cubanos, surpreendidos e tímidos, sorriem e agradecem. Evitam os discursos. São palavras de circunstância. "Estou aqui há 24 horas e parece-me que foram 24 semanas", confessa Ricardo González. É um homem aturdido, pela amabilidade, mas decidido. "Sei que há desemprego em Espanha, não sei onde vou trabalhar, mas de uma coisa estou certo, vou escrever", garante. A chegada à pensão de Hernández González e Rodríguez Saludes, libertados em Havana às primeiras horas de ontem, agita os cubanos. Abraços e sorrisos, correrias e câmaras. "Sou exilado político, não emigrante económico!", grita, uma vez mais, Omar Ruíz.

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