O "analgésico" não curou os reais problemas

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Dez anos depois de ter sido lançado, o Polis ainda não convenceu urbanistas e geógrafos. As obras - ou "remendos", como lhes chamam - carecem de uma estratégia global e integradora. Há pedaços de cidades mais saudáveis, mas o diagnóstico continua reservado. PorMarisa Soares

a O tiquetaque dos relógios já não se ouve à entrada das 39 cidades abrangidas pelo Programa Polis. A contagem decrescente para a conclusão das obras começou em 2000, quando José Sócrates, então ministro do Ambiente do Governo de António Guterres, lançou a 17 de Maio desse ano o programa que prometia requalificar os espaços públicos das cidades. Uma década depois, os relógios saíram de cena, mas continuam as obras em pelo menos 13 locais. Afinal, temos hoje cidades mais evoluídas, ou só melhores "pedacinhos" de cidade?

Anunciaram-se - embora nem todos tenham ainda saído do papel - praças amplas, parques verdes, ciclovias, percursos pedonais, esplanadas. Foram apenas "analgésicos", avalia Diogo Mateus, presidente da Associação Profissional dos Urbanistas Portugueses (APUP). "O Polis não inovou, apenas aproveitou fundos maiores para resolver pontualmente situações que não acabam com os problemas das cidades, apenas os mascaram", afirma este urbanista.

"Há muitos quilómetros de frentes de água significativamente melhoradas", admite, por seu lado, José Rio Fernandes, geógrafo e docente na Universidade do Porto. Porém, frisa, "raros são os casos em que foram escolhidas áreas com problemas", o que acabou por "reforçar as assimetrias" dentro das cidades, valorizando umas áreas em detrimento de outras, muito à custa da especulação imobiliária. "Uns ganharam o Euromilhões, outros não", ironiza.

Diogo Mateus concorda e sublinha que o Estado deveria ter tentado a "entender os problemas reais das cidades e definir soluções, não casuísticas, para a globalidade do espaço urbano". Em alternativa, criou "remendos". Não há uma "verdadeira política urbana", remata.

Porquê imitar a Expo-98?

Opinião idêntica têm Mário Vale e Margarida Queirós, investigadores do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Ambos lamentam que o Polis tenha esquecido "a vertente social das cidades". Ainda assim, reconhecem "um efeito positivo na reabilitação do edificado e do espaço público".

O grupo de trabalho que gizou o Programa Polis quis que os planos reproduzissem, à escala de cada cidade, as virtudes da Expo-98, aliando a requalificação do espaço público à valorização ambiental. Esse foi um problema, aponta Diogo Mateus, que vê a Expo como uma experiência "parcial e não integradora". Para além disso, entregou-se a gestão de alguns Polis à mesma sociedade que geriu a Expo. "Não é a empresa que conhece os verdadeiros problemas de cada cidade, mas sim as autarquias", critica o urbanista.

A Parque Expo teve a seu cargo dez Polis. Dois deles são os que registam os maiores atrasos - Costa da Caparica e Viana do Castelo. Estão "dependentes de questões judiciais", esclarece José Pinto Leite, coordenador nacional do Programa Polis. Os restantes atrasos devem-se a "acabamentos em pequenos projectos a cargo de câmaras". Mas Pinto Leite prefere olhar para o lado positivo do Polis. "A eficiência na execução da obra pública foi um sucesso, minimizando-se fortemente as habituais derrapagens orçamentais", sublinha.

O orçamento, que totaliza 1173 milhões de euros, nunca foi um problema, pelo menos a partir de 2005. Antes disso, houve um "subdimensionamento inicial em 2003/2004, em alguns dos grandes projectos", reconhece Pinto Leite. A solução foi redefinir as intervenções e adaptá-las ao financiamento disponível. Desde então, "não houve ano nenhum em que fosse possível consumir as verbas previstas, designadamente em PIDDAC".

Nova geração de Polis

O défice verificou-se, porém, na participação pública e na avaliação. "O Polis devia ter sido mais pedagógico na forma como apresentou os novos espaços públicos aos cidadãos", refere Rio Rodrigues. O mais "preocupante", alertam Mário Vale e Margarida Queirós, é "nunca ter sido feita uma avaliação do programa", algo fundamental para garantir a transparência do processo e identificar os "factores de bloqueio e os sucessos".

A avaliar pelos vários planos "filhos" do Programa Polis, parece no entanto que o modelo funciona. Em 2007, o Governo lançou o Polis XXI, no ano seguinte criou o Polis Litoral e está já a preparar o Polis Rios. Mas para estes programas já não se contam os minutos em relógios gigantes.

O menos criticado é o Polis XXI, que serve de base às candidaturas das câmaras municipais aos fundos comunitários. "O Polis XXI traz um salto qualitativo muito grande", reconhece José Rio Rodrigues. Um dos quatro eixos desta nova política, intitulado Parcerias para a Regeneração Urbana, prevê a cooperação entre autarquias e outras entidades locais, como associações de comerciantes, por exemplo. "Esta lógica de cooperação é interessante", admite o geógrafo.

A ideia é fazer projectos à medida. "Os terrenos são devidamente identificados e são "territórios-problema". Os projectos contemplam questões económicas, sociais e de mobilidade, que fazem sentido para aquele território em concreto", explica o especialista.

Para Diogo Mateus, esta é "uma iniciativa que, embora não resolva as questões de forma urbanística, é mais positiva e engloba uma visão equilibrada dos projectos". O problema, aponta, "poderá ser a demasiada centralidade das acções nas áreas prioritárias".

No caso dos Polis Litoral, os quatro em curso - Norte, Ria de Aveiro, Sudoeste e Ria Formosa - envolvem um investimento de 322,5 milhões de euros, aplicados na requalificação da costa. À excepção do Sudoeste, todos seguem sem grandes atrasos, com a lição aprendida do primeiro Polis. "Nestes, não vamos marcar passo", garante Pinto Leite.

Apesar de ainda não estar criado, o Polis Rios levanta dúvidas. Os Planos de Gestão das Regiões Hidrográficas, em elaboração, já terão de definir as massas de água a requalificar. Por isso, "que sentido faz criarem-se Polis para os Rios com carácter avulso", questiona Rui Cortes, especialista em hidrobiologia. "Espero que aquilo que seja feito ao menos ultrapasse a peregrina ideia dos espelhos de água e ciclovias nas margens dos rios, contribuindo para aumentar a pressão sobre estes ecossistemas."

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