Convergência quanto à Grécia, divergências sobre o crescimento económico

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Hollande foi recebido com honras militares em Berlim THOMAS PETER/REUTERS

Angela Merkel e François Hollande comprometem-se a apresentar ideias comuns para o crescimento aos Vinte e Sete, mas deixaram claras as diferenças que os separam

Angela Merkel e François Hollande mantiveram ontem as divergências sobre a forma de relançar o crescimento económico na Europa, o que não os impediu de assumir que têm "o dever" de trabalhar juntos na matéria "para o bem da Europa".

Os dois líderes, que não se conheciam, encontraram-se ontem pela primeira vez, em Berlim, escassas horas depois da tomada de posse de Hollande enquanto Presidente da República francesa.

Merkel, que recusou receber Hollande durante a campanha eleitoral em que apoiou o seu antecessor, Nicolas Sarkozy, garantiu logo a seguir à eleição que o receberia "de braços abertos" em Berlim, o que cumpriu oferecendo-lhe honras militares à chegada à chancelaria.

No final de um breve encontro a que se seguiu um jantar, os dois líderes assumiram uma total identidade de pontos de vista ao garantir que querem e esperam que a Grécia permaneça no euro.

Com esta posição, os dois responsáveis procuraram serenar a especulação crescente sobre uma possível saída de Atenas da moeda única caso recuse, ou não consiga, cumprir os objectivos de consolidação orçamental e de reformas estruturais com que se comprometeu em troca de uma ajuda da zona euro e do FMI de 240 mil milhões de euros.

Merkel e Hollande afirmaram igualmente que respeitam a decisão do país de realizar novas eleições depois do impasse gerado pelo escrutínio de 6 de Maio.

Christine Lagarde, directora do FMI foi ontem apenas a última responsável política a invocar a possibilidade de saída da Grécia se não cumprir a sua parte do acordo. "Se os compromissos não forem respeitados será preciso fazer as revisões apropriadas, e isso quer dizer financiamentos suplementares e prazos suplementares, ou então mecanismos de saída, que, neste caso, seriam uma saída ordenada", afirmou a uma televisão francesa. Esta eventualidade será "extraordinariamente cara e apresentará grandes riscos, mas faz parte das opções que somos obrigados a ponderar no plano técnico", frisou.

A sintonia franco-alemã sobre a crise grega, que voltou a incendiar a zona euro e desestabilizar a Espanha e Itália, contrastou com "algumas diferenças" que assumiram de forma muito diplomática sobre a forma de equilibrar o rigor orçamental imposto pela Alemanha, com a prioridade ao crescimento económico assumida por Hollande na campanha eleitoral. "Há pontos em que não estamos completamente de acordo", reconheceu Merkel.

"Quero que o crescimento não seja apenas um termo vago mas que seja traduzido em actos tangíveis e transpostos para a realidade", afirmou Hollande na conferência de imprensa entre a reunião de trabalho e o jantar. "O crescimento é antes de mais um termo geral", sublinhou em contrapartida a chanceler, considerando positiva a discussão "sobre diferentes ideias de como atingir o crescimento".

Apesar das diferenças os dois responsáveis garantiram que têm "o dever" de trabalhar juntos e apresentar propostas aos parceiros europeus na perspectiva do jantar informal dos 27 previsto para a próxima semana e, sobretudo, para a cimeira europeia de 28 e 29 de Junho que deverá tomar as decisões finais.

Hollande referiu de passagem a sua reivindicação de renegociar o Tratado de disciplina orçamental acordado por 25 países da UE em Março de modo a acrescentar uma vertente de promoção do crescimento e emprego. Esta é uma sugestão que a chanceler tem rejeitado terminantemente, com o apoio de vários países, invocando nomeadamente o facto de Portugal, Grécia e Eslovénia já o terem ratificado.

O novo presidente deixou no entanto a porta aberta ao compromisso ao afirmar que os dois líderes estão de acordo sobre o "método" de abordar este debate que consistirá em "colocar todas as ideias e todas as propostas na mesa" e só então decidir sobre os "instrumentos jurídicos" para lhes dar corpo. As ideias que referiu incluíram a emissão de dívida comum entre os países do euro para harmonizar os respectivos custos, uma ideia que é considerada tabu na Alemanha.

Em contrapartida, Berlim tem dado sinais de aceitar algumas das sugestões de Hollande, nomeadamente o reforço da capacidade de empréstimo do Banco Europeu de Investimentos (BEI) aos Estados, a canalização dos fundos estruturais comunitários para o crescimento ou mesmo a possibilidade de emissão de mini-obrigações europeias para financiar grandes projectos de infraestruturas. Estas são no entanto soluções que terão um impacto negligenciável no crescimento. Bem mais difícil de aceitar para a chanceler será uma suavização do calendário fixado para a redução do défice em países como a Espanha e Itália.

A reunião de ontem arrancou com várias horas de atraso porque Hollande, que já tinha saído de Paris uma hora depois do previsto, teve de voltar para trás para mudar de avião quando o primeiro foi atingido por um relâmpago poucos minutos depois da descolagem. Segundo Merkel, o facto de o presidente francês ter conseguido chegar a Berlim depois de tantas peripécias constitui "um bom presságio" para as relações franco-alemãs.

Hollande não perdeu a oportunidade para marcar o pouco apreço com que reagiu à recusa da chanceler de o receber antes da eleição. "Não a conhecia, apesar de a sua reputação ter ultrapassado as fronteiras há muito tempo", afirmou, ao seu lado.

A reserva de Hollande ficou expressa, ainda, na forma como saudou a chanceler à chegada: depois do beija-mão de Jacques Chirac em 2005 e dos dois beijos calorosos de Sarkozy em 2007, optou por um sóbrio aperto de mão, marcando pelo caminho uma clara diferença de estilo face ao seu antecessor.

Apesar de tudo, Merkel, que apreciava pouco o carácter impetuoso do ex-presidente francês, tem agora amplas razões para se entender, no plano pessoal, com o seu sucessor, com quem partilha um cáracter sóbrio, sério e reservado.

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