Salários e pensões pagam 70% do esforço

O Governo não cumpriu as suas promessas. Não encontrou despesa pública para cortar e manteve a desigualdade no esforço

Não há qualquer margem para dúvidas. Quem vai pagar cerca de três quartos dos 5337,9 milhões de euros de esforço do ajustamento orçamental em 2013 vão ser os assalariados e os pensionistas. O funcionamento do Estado pagará cerca de 12% e as empresas a pequena fatia de 4%. O restante corresponde à receita de impostos sobre o consumo, o IMI sobre imóveis e o imposto de selo.

As contas que o PÚBLICO fez a partir dos dados fornecidos pelo Orçamento deo Estado para 2013 contrariam totalmente aquilo que o ministro das Finanças afirmou em Setembro passado, quando anunciou as linhas mestras das contas públicas no próximo ano.

Na altura, o anúncio solene feito no salão nobre do Ministério das Finanças pareceu querer responder às exigências do Tribunal Constitucional de haver uma equidade nos esforços orçamentais. O ministro Vítor Gaspar frisou que "as medidas visam uma distribuição mais equitativa do esforço de consolidação orçamental entre o sector público e o sector privado; e entre rendimentos do trabalho e rendimentos do capital".

Gaspar pareceu mesmo empolgar-se ao declarar que "Portugal é dos países mais desiguais" da União Europeia. "Que não restem dúvidas", disse. "Vamos mudar este estado de coisas. Vamos acabar com as divisões do passado. Uma sociedade com menores desigualdades é uma sociedade mais justa e também uma sociedade economicamente mais forte."

Na volta, o Governo não só não mudou o "estado de coisas", nem "as divisões do passado", como este Orçamento parece contribuir - seguindo as suas palavras - para tornar Portugal numa sociedade mais injusta e economicamente mais pobre.

Pelo menos é o que se conclui da análise das medidas adoptadas pelo Governo. Dos 5337,9 milhões de euros de esforço orçamental, cerca de 70% é explicado pela subida do IRS (2810 milhões), pela cobrança do IRS e pelos descontos sociais para a Caixa Geral de Aposentações que o Estado vai arrecadar por ter reposto um subsídio dos funcionários e 1,1 pensões (282,5 milhões e 153 milhões respectivamente).

Se isso não bastasse como esforço, as camadas populacionais com menos recursos vão sofrer com os cortes das prestações sociais, precisamente numa conjuntura em que a recessão ameaça aprofundar-se. As poupanças com esses cortes nos apoios sociais, estimadas pelo Governo, atingem mais de mil milhões de euros.

Desses, primeiro, a maior fatia é relativa a cortes nas prestações sociais - 612,2 milhões de euros (ver texto). O desemprego vai atingir taxas recordes e o próprio Governo já prevê uma nova subida em 2013. Apesar disso, o Governo considera que existe margem para cortar mais o subsídio de desemprego e, tal como está previsto no memorando da troika, terá de apresentar no último trimestre deste ano medidas que minimizem a "dependência" dos desempregados do subsídio de desemprego. É possível que os direitos adquiridos dos actuais empregados possam estar na mira do Governo, pelo menos ainda não desmentiu essa intenção.

Em segundo lugar, os cortes de apoios sociais reflectem-se ainda num corte de 420,7 milhões nas pensões de 270 mil pessoas, de valor superior a 1350 euros. Cortes que podem atingir uma fatia considerável da pensão. O grosso do universo atingido refere-se a pensões do sector público (ver texto).

Fosso entre trabalho e capital

A "distribuição mais equitativa" entre rendimentos do trabalho e rendimentos do capital é estrondosamente negada pelas próprias contas do Governo.

O agravamento da carga fiscal sobre as empresas deverá situar-se em 215 milhões de euros, ou seja, cerca de 4% da receita total de IRC em 2013. Em contraponto, só as mexidas nos escalões de IRS representam 23% da receita esperada de IRS em 2013.

Mesmo a promessa de ser a despesa pública a contribuir mais para o esforço de ajustamento e assim atenuar a subida dos impostos - cavalo-de-batalha do CDS junto do PSD - parece ter ficado gorada. O corte de despesa estrutural - as famosas gorduras do Estado - apenas representa 12% do esforço orçamental total.

Dos 750 milhões de euros a menos nas contas do Estado, o Governo quer cortar 125 milhões em despesas de funcionamento, mais 250 milhões em despesas de investimento nas empresas públicas reclassificadas. O corte das rendas excessivas das parcerias público-privadas vai ficar-se por 250 milhões de euros e os subsídios que o PSD tanto criticava vão ser reduzidos em 125 milhões de euros, dos quais 40 milhões para fundações. Estes esforços igualam-se à racionalização de pessoal - 727 milhões de euros. Desses, a redução de 2% de efectivos custará apenas 330 milhões de euros.

Todos os objectivos - assentar o esforço no corte da despesa pública, conseguir a equidade dos esforços - ficaram muito aquém do prometido. A receita pagará quase tudo e entre ela a maior parte assentará nos assalariados e pensionistas. Grande parte da riqueza do país não pagará a crise que se viverá em 2013.

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