Não tente apagar o seu passado na Internet

Twitter, Facebook, blogues ou sites pessoais. Pegadas que deixamos na Net e que, mais tarde, poderemos pensar em apagar. Saiba que a tarefa vai do "fácil" ao "impossível"

Há uma boa razão para não tentar apagar os vestígios que tenha deixado espalhados pela Internet. Muito provavelmente, não vai conseguir e dará o tempo como perdido. O sucesso desta tarefa, porém, depende da actividade online de cada pessoa.

Se nunca esteve no Twitter ou no Facebook, nunca publicou um blogue ou um site pessoal, não participou em fóruns de discussão (e, claro, se não for uma figura pública), a sua pegada online deve ser pequena. Mas existe. Não se esqueça de tudo o que os outros podem publicar e sobre o qual não tem qualquer controlo - desde documentos oficiais que são frequentemente colocados online, como é o caso das listas de notas das universidades ou resultados de concursos públicos de emprego, até textos em blogues que por alguma razão falam de si.

No meu caso, o exercício de tentar apagar os vestígios da actividade online pareceu-me desde logo tarefa impossível: o rasto é grande. Há as contas em redes sociais, dois blogues antigos, um site pessoal e ainda contas de utilizador em dezenas de sites diferentes (companhias aéreas, lojas online, serviços vários que experimentei uma vez e aos quais não voltei). E há também vários artigos escritos para este jornal e que estão espalhados pela Internet (tanto no site do PÚBLICO, como em alguns casos replicados noutras páginas). Uma parte desta informação é pública e surge com uma pesquisa simples no Google. Outra está (presumivelmente) bem guardada atrás dos muros informáticos das empresas a quem a confiei.

Sejamos claros: não tenho qualquer vontade de apagar nada do que tenha publicado na Internet (e também não há nada que outros tenham publicado e que eu, mesmo que pudesse, queira ver apagado). O exercício não consistia em eliminar o meu passado, mas em saber quão difícil seria fazê-lo e parar ainda antes do clique final. Tropecei logo na primeira tentativa.

Um site inapagável

Algures no final da década de 1990, criei o meu primeiro site. Era um espaço dedicado a um passatempo algo obscuro: um jogo de cartas coleccionáveis chamado Magic: the Gathering, em que cada jogador usa feitiços para "matar" o oponente. Com excepção de uma fotografia tipo passe da minha adolescência e de textos de qualidade duvidosa sobre as estratégias de jogo (e de ser óbvio para qualquer visitante que dediquei muitas horas a cartas com ilustrações de figurinhas mágicas), não há lá nada de verdadeiramente embaraçoso. Mas, se houvesse, ficaria na Internet, por muito que me esforçasse para o remover. O site foi alojado num serviço chamado Tripod, um dos muitos que existiam durante a fase de crescimento da bolha dot-com e que ofereciam espaço para os utilizadores criarem os seus sites. Eram uma espécie de precursores de serviços de blogues, como o Blogger. Ora, não apenas não tenho a mais pequena ideia de qual o meu nome de utilizador e respectiva palavra-passe no Tripod (ainda fiz umas tentativas de adivinhação), como o email que então usei para criar a conta foi há muito abandonado. Não tenho qualquer forma de recuperar os dados de acesso ou sequer de contactar a empresa e provar que sou o criador do site. Desisti.

Pelo contrário, apagar os sites e blogues mais recentes é uma tarefa simples. Mas, se o fizesse, eles não desapareceriam completamente. Exemplo: há uns meses, eliminei por engano um blogue que escrevi durante três anos (bastaram dois ou três cliques desastrados). Quem for ao endereço depara-se agora com uma página de erro. Mas vestígios deste blogue ainda surgem no Google. E referências aos textos que escrevi estão espalhadas por outros blogues. Faz parte do funcionamento da Internet: pode-se apagar o conteúdo original, mas este está inevitavelmente replicado e espalhado pela rede.

O Big Brother Google

Um dos gigantes online que agregam uma impressionante quantidade de informação é o Google. Uma porção muito grande da minha vida online está nos servidores desta empresa. Frequentemente (sobretudo antes da explosão do Facebook, que se tornou o novo alvo), a multinacional americana era por isto comparada ao Big Brother e repetia-se até à exaustão que estava a abandonar o seu conhecido mote de não ser má.

Há, no entanto, uma forma mais positiva de olhar para a imensa quantidade de informação que o Google recolhe. Quanto mais este souber sobre mim, melhores são os resultados das pesquisas que me apresenta e mais eficazes se tornam os muitos serviços que uso: o YouTube, os Google Docs (onde este artigo foi escrito), a agenda (onde alguns dos meus colegas até podem ver o calendário dos meus compromissos profissionais), o Gmail, o Reader (para ler artigos e notícias), os mapas (que já sabem a cidade onde moro e que consulto quase todos os dias em busca de sítios onde tenho de ir) - a lista podia continuar (aliás, os carros do Google até já me fotografaram à saída do trabalho, em Lisboa, e a foto está publicada no serviço Street View, que mostra imagens detalhadas das ruas; o meu rosto está propositadamente desfocado, como é exigido por lei, mas o da pessoa que está comigo escapou ao sistema e é perfeitamente visível).

Ora, a pensar em quem está preocupado com a privacidade (e pressionado pelos reguladores para tornar tudo isto mais transparente), o Google criou uma página, (http://google.com/dashboard) que mostra a informação sobre o utilizador contida nos diversos serviços. Foi aqui, por exemplo, que descobri que, por um motivo que me escapa, menti ao registar-me no YouTube e, tanto quanto o Google sabe, tenho quase o dobro da minha idade real. Se tudo o que vir nesta página do Google o assustar, encerrar a conta é um processo simples: em https://www.google.com/accounts/DeleteAccount basta escolher os serviços de que queremos ser eliminados, introduzir a palavra-passe e premir um botão.

É claro que ter informação no Google não é o mesmo que ter um blogue. A esmagadora maioria destes dados não são públicos e a empresa tem imensos informáticos a trabalhar para que os dados que lhe confio permaneçam em segurança (mas já houve um ou outro caso de contas do Google que foram atacadas e das quais piratas conseguiram extrair alguma informação). O problema, frequentemente, não é que os dados saltem os muros digitais das empresas - mas o que estas fazem com eles.

Nova legislação

Tal como os serviços do Google, as redes sociais são conhecidas por armazenarem uma gigantesca quantidade de informação pessoal. Alguma nem sequer é lá colocada de forma voluntária. Quem usa o Facebook sabe, por exemplo, que qualquer utilizador pode publicar uma foto em que outra pessoa apareça e essa foto pode ser associada ao perfil do fotografado (embora esta associação possa ser facilmente removida pelo visado).

Para estas redes, e para o Google, os dados pessoais fazem parte do modelo de negócio. Gostos, idade, localização geográfica são elementos úteis para quem quer fazer publicidade direccionada. Uma das questões que está a preocupar as autoridades, nomeadamente a Comissão Europeia, é o facto de não ser muito transparente o que estes sites fazem com os dados recolhidos.

Terminou no sábado uma consulta pública feita pela Comissão Europeia sobre a questão do armazenamento e tratamento de dados pessoais. A ideia é rever a directiva comunitária sobre o assunto. Embora a revisão legislativa não se resuma à Internet, parte do desafio passa precisamente por lidar com os dados que circulam na rede de computadores, diz ao P2 Clara Guerra, da Comissão Nacional de Protecção de Dados. "A directiva é de 1995 e é omissa em relação à Internet. A legislação deve ser neutra do ponto de vista tecnológico, mas a Internet trouxe uma nova realidade. E ainda estamos na fase da filosofia sobre o que deve ser feito."

Uma das questões que a Comissão Europeia está a ponderar é clarificar o chamado "direito a ser esquecido", que se aplica tanto à Internet, como ao mundo offline. Lê-se na proposta da Comissão que este é o "direito de as pessoas impedirem a continuação do tratamento dos respectivos dados e de os mesmos serem apagados, quando deixarem de ser necessários para fins legítimos". É isto que determina que, por exemplo, a seguir aos passos para apagar a conta do Google, os dados devem mesmo ser eliminados dos servidores.

Outro dos pontos que a Comissão quer abordar parece ter sido escrito a pensar em redes sociais como o Facebook: trata-se de garantir a portabilidade dos dados, ou seja, "prever de forma explícita o direito de retirar os respectivos dados (por exemplo, fotografias ou uma lista de amigos) de uma aplicação ou serviço e transferi-los para outro". Alguns sites já permitem importar alguma informação do Facebook (e o Facebook importa informação de outros sites). E também há nesta rede social uma funcionalidade para que qualquer utilizador possa criar um arquivo de toda a sua informação: nas definições da conta (que surgem no menu do canto superior direito), uma opção permite descarregar uma pasta com páginas Web que listam os amigos, as fotografias publicadas, as mensagens trocadas, e tudo o que foi publicado no mural do utilizador. Estas páginas ficam guardadas no computador e podem ser vistas no browser, mesmo quando não se está ligado à Internet.

Pressão emocional

Apagar um perfil no Facebook é uma tarefa mais complexa do que guardá-lo. A opção disponível na área de gestão é apenas para suspender a conta. E, se o tentar fazer, o site tem uma estratégia de pressão emocional: exibe fotos suas com amigos, faz questão de dizer que essas pessoas vão sentir a sua falta e ainda apela a que lhes envie uma última mensagem.

Optar pela mera suspensão da conta significa que pode reactivar o seu perfil quando quiser - basta voltar a entrar no site. Até lá, os comentários que fez nos perfis de outras pessoas continuarão publicados, embora o seu nome passe a estar a preto (em vez do azul que é a imagem de marca do site) e deixe de ser um link para o perfil, que se torna inacessível.

Há, porém, uma outra opção: apagar mesmo a conta. Para isso, tem de seguir as instruções numa página que o Facebook faz questão de não ser fácil de encontrar. Está aqui: https://www.facebook.com/help/contact.php show_form=delete_account. Neste caso, tem duas semanas para se arrepender. Nesse período, se voltar a usar o Facebook de alguma forma (o que inclui aplicações para telemóveis ou fazer "gosto" em qualquer página na Web), a sua conta é reactivada.

Mas nem todos os sites têm sistemas tão complexos. O Twitter oferece uma forma simples de apagar a conta e deixa logo o aviso: uma vez apagada, não há lugar para arrependimentos, nem forma de voltar atrás. No lado oposto está a Wikipedia. Se já lá criou uma conta, fique a saber: é impossível eliminá-la. Já em sites comerciais, as estratégias variam. Na Amazon é preciso usar um formulário para enviar uma mensagem à empresa a pedir o cancelamento da conta. E o Audible, um site de venda de livros em formato áudio em que estive inscrito, oferece 20 dólares em livros a quem clicar no link para encerrar a conta. Foi tentador, mas não cedi - se aceitasse a oferta e mais tarde quisesse mesmo encerrar a conta tinha de me dar ao trabalho de lhes enviar uma carta. Optei por concluir o processo. Mas a empresa fez questão de não me esquecer e ainda hoje recebo emails promocionais.

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