Ex-quadros do Santander põem a nu esquema para reduzir factura fiscal

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Movimentação de fundos permitiria reduzir a matéria colectável NUNO GUIMARAES

Triangulação de fundos a partir do Luxemburgo fazia subir despesas do banco. Santander nega

Fundos de pelo menos 350 milhões de dólares (258 milhões de euros), domiciliados na sucursal do Santander Totta no Luxemburgo, circularam nos últimos anos pelas praças financeiras do grão-ducado, de Londres e das ilhas Caimão, permitindo à casa-mãe aumentar os custos e assim reduzir a matéria colectável.

A revelação sobre a existência no universo Santander Totta de veículos (sociedades) usados, alegadamente, para fazer planeamento fiscal foi feita em Maio, em tribunal, por Isabel Ramos de Almeida, ex-directora do Santander, no quadro de um diferendo laboral movido por Jorge Dias, chefe da sucursal do banco no grão-ducado, contra a equipa liderada por Nuno Amado, e no qual prestou declarações na qualidade de testemunha do banco. Jorge Dias explica em declarações ao PÚBLICO que aqueles fundos eram investidos em condições anormais, e que nunca passou as declarações fiscais dos rendimentos dessas aplicações, porque a administração do banco, que geria os activos, apesar dos múltiplos pedidos, nunca o informou sobre quem eram os beneficiários económicos últimos.

O actual gestor do BCP, António Ramalho (ex-administrador do Santander Totta), que foi o mentor dos veículos, designados Ptif e Taf, onde estão domiciliados os 350 milhões de dólares, declarou que os fundos foram colocados junto de investidores norte-americanos, o que obrigaria o banco a comunicar ao fisco os rendimentos auferidos pelos titulares. Já o Santander Totta afirma que o Ptif e Taf não eram propriedade exclusiva do banco e pertenciam também a investidores que podiam ser norte-americanos ou outros quaisquer. E, assegura o banco, cabe ao emissores dos dois instrumentos financeiros, que actuaram como paying agent (a entidade que pagaria os dividendos), o JPMorgan e o Deutsche Bank, enviar as declarações tributárias à Reserva Federal norte-americana, já que seria da sua responsabilidade pagar dividendos aos investidores. Mas Jorge Dias assegura que essa era uma tarefa da sucursal luxemburguesa, por ser aí que os fundos estavam domiciliados. E garante que nunca emitiu qualquer declaração de natureza fiscal.

A documentação existente indica que os 350 milhões de dólares, Ptif (150 milhões de dólares) e Taf (200 milhões), foram colocados no início da década passada pela administração de Horta Osório numa conta da sucursal do Luxemburgo, onde a taxa de IRC é reduzida, e que a sua movimentação foi feita como se pertencesse a um cliente normal. Nos anos seguintes, a verba seria triangulada entre praças financeiras, respeitando as datas de vencimento dos pagamentos acordados com os titulares das duas sociedades. A casa-mãe emprestava os 350 milhões de dólares à sucursal luxemburguesa, a uma determinada taxa de juro, e, esta, por sua vez, aplicava-os junto da sede (tipo depósito a prazo), através da sala de mercados de Lisboa, à mesma taxa, acrescida de um spread (que dava à sucursal a margem de lucro e à sede um custo adicional). Depois, a sucursal do grão-ducado transferiria os juros vencidos para a de Londres, que por sua vez os encaminhava para a conta as Caimão [onde não há tributação de lucros].

Numa altura em que as taxas de juros em dólares, em termos de mercado, rondavam entra um e dois por cento, a tomada de fundos decorria a taxas muito superiores, entre sete e oito por cento: mais 500 ou 600 por cento do que as taxas normais de mercado.

Lucros e prejuízos

No final da triangulação onde eram registados os lucros e os prejuízos? A sucursal luxemburguesa obtinha um ganho que era o resultado do diferencial entre a taxa de juro que pagava à casa-mãe e a que recebia da sede. O impacto na sucursal de Londres era neutro, pois limitava-se a contabilizar os juros enviados pelo grão-ducado e a transferi-los para a conta das Caimão. Esta surgia como a grande beneficiária, pois recebia os juros livres de impostos (rendimento líquido). Pelo contrário, o Santander Totta, em Lisboa, assumia o custo resultante dos juros pagos à sucursal do Luxemburgo, acrescidos do spread, o que penalizava os seus proveitos anuais, e reduzia a matéria colectável a entregar ao fisco português.

Em síntese: o Santander Totta aumentava os custos em Portugal, pois as taxas de juro estavam desajustadas face ao mercado, e obtinha proveitos mais elevados nas ilhas Caimão, livres de taxas.

Ao PÚBLICO o ex-director-geral do balcão do Santander Totta no grão-ducado reconheceu que os 350 milhões de dólares têm sido triangulados entre praças financeiras em condições comerciais "desajustadas da realidade do mercado" interbancário. As operações Ptif e Taf destacavam-se da actividade da sucursal, que se dedicava "no essencial à concessão de crédito à habitação".

Quando deixou no ar a existência deste mecanismo no seu depoimento no tribunal, Ramos de Almeida confirmou que os fundos Ptif e Taf "eram coisas que eram canalizadas cá para Portugal e que eram postas lá fora por razões fiscais pela casa- mãe" (ver caixa). Ao PÚBLICO a ex-directora garantiu que apenas mencionou "as razões fiscais" por não existir no Luxemburgo "lugar a pagamento de imposto de selo", mas que não se trata de planeamento fiscal. O PÚBLICO voltou a tentar falar com Ramos de Almeida, que remeteu para o assessor de imprensa da Unicre, de que é agora administradora.

As explicações do banco (ver texto ao lado) contrariam as de António Ramalho, o mentor das sociedades Ptif e Taf. Em concreto, a nacionalidade dos investidores. Ramalho diz que "o mercado para as várias operações deste tipo realizadas pelos bancos portugueses no final dos anos 90 era sempre o mercado institucional americano". Por correio electrónico, evocou uma época "em que os investidores dos EUA investiam" em produtos "híbridos" de bancos nacionais e confessou que "em pormenor" conhece melhor o Ptif que teve como "líder" da emissão nos EUA "o Morgan Stanley". O gestor do BCP mostrou-se indeciso quanto à natureza das operações por não se lembrar se "configuravam um empréstimo subordinado" ou "acções preferenciais remíveis".

Surpreendido com a explicação do seu ex-empregador, Jorge Dias observou que era a sucursal do grão-ducado que devia "fazer a comunicação ao fisco luxemburguês". Isto, adiantou, porque de acordo com a legislação, sempre que estão em causa rendimentos auferidos por residentes nos EUA (particulares ou não), os bancos receptores dos fundos, onde são contabilizados os proveitos, devem entregar a respectiva declaração tributária às autoridades fiscais locais que, por sua vez, as enviam para a FED. Como os 350 milhões de euros estavam domiciliados no Luxemburgo, onde eram gerados os rendimentos, era ao fisco do principado que as declarações teriam de ser entregues.

Jorge Dias assegurou: "O Santander Totta nunca me solicitou que passasse as declarações fiscais referentes aos rendimentos das aplicações Ptif e Taf." "[E, na qualidade de primeiro responsável pela sucursal], teria de ser eu a fazê-lo e nunca fiz, [até porque] desconhecia quem eram os beneficiários económicos últimos das aplicações [dos fundos]." "Nunca soube nem a origem, nem a titularidade dos activos, apesar de ter perguntado diversas vezes à administração, que os geria, e por escrito." O Santander deu instruções à sucursal para emitir declarações fiscais? O banco respondeu: "Desconhecemos a que declarações fiscais se referem."

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