E se voltássemos outra vez às nacionalizações?

O tempo do "nacionalizado, nosso" acabou, mas PCP e BE relançam nesta campanha a ideia de nacionalizar a banca comercial e serviços públicos estratégicos. O que sucederia, se tal acontecesse? A salvação ou o caos?

a O assunto voltou a estar em cima da mesa com a nacionalização do BPN, em Novembro do ano passado. Passados 33 anos das nacionalizações pós-revolucionárias, o país assistiu à intervenção estatal num banco privado e à aprovação, no Parlamento, de um diploma que define o regime jurídico de futuras nacionalizações.Agora, PCP e Bloco de Esquerda trazem o tema para o debate eleitoral - os comunistas querem a nacionalização da banca comercial e os bloquistas defendem o regresso à esfera pública das empresas do sector energético (EDP, Galp e REN). Sectores que os dois partidos consideram estratégicos porque se referem a bens e serviços públicos, e, como tal, na sua opinião devem estar sob gestão e propriedade do Estado.
"As pessoas parecem esquecer-se do que esteve na origem da crise financeira, que foi precisamente o modelo de funcionamento do sistema financeiro internacional", disse ao PÚBLICO Octávio Teixeira, economista e antigo deputado comunista. "O crédito e a moeda são serviços públicos", são "o sangue que faz circular a economia", defende o histórico comunista, sublinhando que, por isso, "não devem servir interesses lucrativos", mas antes ser um instrumento do Estado para apoiar o investimento, a criação de emprego e as famílias.
Já Francisco Louçã argumenta que "um país que não pode decidir sobre uma refinaria petrolífera ou que entrega a uma empresa estrangeira o controlo sobre a distribuição de electricidade é um país vulnerável". Sendo "sectores estratégicos, deveriam ser públicos", defende o líder do Bloco de Esquerda (BE).
Louçã sustenta ainda que os proveitos gerados pela EDP e a Galp seriam "suficientes para equilibrar as contas públicas num país com um défice orçamental crónico" e diz que as "rendas de monopólio não devem ser privadas".
Daí que considere a reversão da privatização destas empresas "uma prioridade" para os próximos quatro anos de governação, "para ajudar a resolver a crise económica".
Mas o antigo secretário de Estado do Tesouro e Finanças António Nogueira Leite não hesita em classificar as argumentações do PCP e BE como "demagogia pura". "Não tem lógica que Portugal vá contra corrente e caminhe no sentido de uma Cuba ou Coreia do Norte", critica este economista. O regresso às nacionalizações seria "um completo retrocesso, sem qualquer proveito para a economia", garante Nogueira Leite, sublinhando que em causa estão "argumentos puramente políticos".
"E não estou a ver como é que os contribuintes portugueses teriam dinheiro para indemnizar os accionistas" das empresas intervencionadas, acrescenta o antigo governante. Até porque, em sua opinião, nenhum país que avançasse com estas medidas conseguiria emitir dívida. O rating da República viria por aí abaixo, diz o economista, notando que "países como a Venezuela e a Bolívia não têm ratings e é por isso que se podem dar ao luxo de nacionalizar".
Difícil de explicar
PCP e BE são vagos quando chamados a explicar como se desenrolariam, na prática, estes processos de indemnização. O antigo líder parlamentar comunista diz que seria necessário "estudar caso a caso", para definir os "aspectos mais técnicos do processo", como a avaliação das empresas e as formas de compensação. Octávio Teixeira admite que, "numa primeira fase", o Estado teria que garantir o pagamento das indemnizações, com recurso à dívida pública ou financiamento bancário, "mas depois seriam as próprias empresas a emitir títulos para o fazer." E, segundo o economista, em alguns casos "nem seria preciso nacionalizar a totalidade do capital"; bastariam 51 por cento para garantir o domínio estatal.
Francisco Louçã também prefere não entrar em detalhes. "Não concretizamos isso no nosso programa porque depende das circunstâncias políticas", explica o líder bloquista, frisando que "há várias formas de fazê-lo [as indemnizações]".
Louçã recorda as nacionalizações efectuadas em França, no pós-guerra, por De Gaulle, em que não houve lugar a compensações, e menciona outros casos em que ocorreram "compras de acções e acertos de contas". Mas sublinha não querer "limitar o escopo do debate às especificidades" do processo. "Porque a questão maior é saber se um monopólio natural deve ser um bem público ou privatizado", sublinha.
Contudo, António Nogueira Leite contrapõe que "não há qualquer razão intelectual" para seguir o caminho das nacionalizações. "Não se pode fazer regra de uma situação pontual como a do BPN, que representava risco sistémico", diz Nogueira Leite, acrescentando que PCP e BE se limitam a "utilizar a crise" para fins políticos. "É muito fácil dizer: 'Se fosse público, era mais barato'", acrescenta.
O antigo secretário de Estado e actual administrador de empresas como a Brisa, EDP Renováveis e Reditus não tem dúvidas que este tipo de intervenção do Estado na economia "atiraria o país para o charco" e provocaria a fuga de capitais para o estrangeiro.
O exemplo da Caixa
Uma situação rejeitada por Francisco Louçã. Referindo-se ao que chama "os argumentos do pânico", o economista e líder do BE garante que, desde que bem definidas as regras, os restantes sectores de actividade saberiam que "não correriam qualquer risco". "Os bens públicos devem ser públicos, mas não se pode nacionalizar a Autoeuropa", exemplifica. Opinião semelhante tem Octávio Teixeira. "É uma questão de definir claramente quais são os sectores", resume o antigo deputado.
Nogueira Leite sublinha ainda que as gestões públicas não oferecem qualquer garantia de benefício adicional para os contribuintes e consumidores e dá o exemplo da Galp, "que, enquanto foi pública, quase sempre deu prejuízo". Mas o economista do PCP e o líder do BE frisam que as gestões privadas também não oferecem garantias. "Vejam-se os casos do BCP, BPN e BPP", aponta Octávio Teixeira.
Já Louçã destaca o papel decisivo da Caixa Geral de Depósitos no BPN e no BPP, um "exemplo que calou por completo os liberais que defendiam que o Estado nunca consegue gerir uma empresa". Foi à Caixa que "o grande capital português" foi buscar gestores para o BPP "porque era a única instituição em que confiavam", afirma.

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