Uma forma singular de falar de cultura

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Carlos Pinto Coelho, fotografado em Março de 2009 Luís Ramos/arquivo

Jornalista, apresentador de televisão, divulgador cultural, conhecido pelo programa da RTP2 Acontece, Carlos Pinto Coelho morreu anteontem, aos 66 anos. Dele fica uma memória luminosa. "Era sereno o Carlos" e não deixava ninguém indiferente

As palavras saíam precisas. Tinha uma presença viva. Era hiperactivo. Tratava todos os convidados da mesma forma, dialogante, tu-cá-tu-lá. Assim acontecia no Acontece, magazine cultural que teve na RTP2, de 1994 a 2003, e que lhe deu visibilidade. Carlos Pinto Coelho morreu anteontem, aos 66 anos, na sequência de uma intervenção cirúrgica à aorta no Hospital Santa Marta, em Lisboa, para onde foi transferido depois de ter sido internado de urgência no Hospital S. José. O corpo estava desde ontem no Palácio Galveias. Até ao fecho da edição ainda não eram conhecidas informações sobre o funeral.

Gostava que lhe chamassem o "senhor Acontece" e a frase com que acabava todas as noites o programa ("E assim acontece") entrou no imaginário popular. Tinha um estilo tão marcado de comunicar que o humorista mais conhecido do Portugal dos anos 90, Herman José, o caricaturou. Mas aconteceram muito mais coisas na sua vida. A imprensa escrita. A rádio. A fotografia, que expôs e publicou em livro. Era um homem da comunicação. E da cultura.

Ontem o Presidente da República, Cavaco Silva, recordou a sua "função como divulgador de factos e eventos" da cultura, enquanto o Governo realçou a acção "que desenvolveu em prol da divulgação das artes, da cultura e da língua portuguesa".

Os amigos enaltecem o profissional, mas também o homem caloroso. "Era uma pessoa de grande afectuosidade, exuberante e comunicativo. Sempre que nos encontrávamos era uma alegria", diz o escritor Mário Zambujal, que há dois meses o convidou para apresentar o seu último livro, Dama de Espadas. "Tinha o sentido de como a comunicação deve chegar aos outros. Fazia as coisas com imenso prazer e limpidez."

Em 1983, Pinto Coelho, Zambujal e José Nuno Martins - mais tarde também Raul Solnado - cruzaram-se no programa de informação Fim-de-semana. Desde então o comunicador de televisão José Nuno Martins nunca mais deixou de o ver como "um espírito inquieto, com dúvidas, o que é uma boa postura, porque procurava fazer melhor". "Gostou sempre de se rodear de pessoas que acrescentavam ideias às suas ideias. Por isso era convivial", diz.

Na RTP foi director, autor de programas e jornalista. "Trouxe à RTP qualquer coisa a que as televisões eram avessas, a informação cultural", diz o jornalista Adelino Gomes. "Era o homem da produção, da edição e da apresentação. Sozinho era uma redacção."

Nasceu em Lisboa, mas viveu em Lourenço Marques (Maputo) até aos 19 anos, altura em que regressou a Portugal. Começou a sua carreira no Diário de Notícias em 1968, foi um dos fundadores do diário Jornal Novo, redactor da Agência de Notícias Portuguesa ANI, director executivo da revista Mais. Na rádio foi locutor da TSF, Rádio Comercial, Antena1 e teledifusão de Macau. Na televisão foi chefe de redacção do Informação 2, director de Cooperação e Relações Internacionais, director adjunto de Informação e director de Programas da RTP.

Apesar das muitas experiências, foi no Acontece que se realizou. O fim do programa, em 2003 (era então o jornal cultural da Europa mais antigo) foi antecedido por uma polémica com o ministro Morais Sarmento. "Para o ministro o programa não tinha audiência, mas não há nenhum português que não conheça o Pinto Coelho a partir do Acontece. Há aqui uma contradição", reflecte Adelino Gomes, enquanto Mário Zambujal não tem dúvidas de que o fim do programa constituiu o maior desgosto profissional de Pinto Coelho. "Sentiu isso com amargura."

O director do Opart (Organismo de Produção Artística), Jorge Salavisa, que foi por ele entrevistado várias vezes, recorda "uma pessoa atenta a tudo o que se passava em termos culturais", e que acaba por deixar um legado: "Se existem programas culturais hoje, muito se deve a ele, porque foi pioneiro."

"Não deixava ninguém indiferente, mesmo aqueles que, eventualmente, ao ouvirem falar de cultura tivessem vontade de puxar da pistola" diz Adelino Gomes. "Era sereno o Carlos", diz José Nuno Martins. "Fica como um personagem luminoso na televisão portuguesa."

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