Há muito mais pobres do que as estatísticas oficiais contabilizam

Os últimos dados sobre pobreza retratam o país em 2010. Especialista apresenta novos cálculos que dizem que mesmo nesse ano já havia mais 160 mil pobres do que os anunciados. Hoje serão muitos mais

Algumas das prestações sociais destinadas aos grupos mais vulneráveis da população têm vindo a perder força. A taxa de cobertura do subsídio de desemprego desceu de 37% para 33% entre 2005 e 2012. Ou seja, há mais gente sem trabalho que não tem subsídio. A prestação do rendimento social de inserção (RSI), uma medida destinada aos mais pobres entre os pobres, tem baixado. E em 2013 o Estado vai gastar menos 22,7%. A pensão por velhice também teve uma redução de 43 euros entre 2009 e Agosto de 2012. E o complemento solidário para idosos (CSI), que nasceu em 2006 para atenuar a pobreza entre os pensionistas, vai sofrer um corte orçamental de 11,2%.

Com este cenário, muitos questionam-se sobre quão longe estão da realidade as estatísticas oficiais sobre pobreza no país - as últimas são de 2010. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, há dois anos, 18% da população - cerca de 1,8 milhões de portugueses - vivia abaixo do limiar da pobreza (421 euros por mês). Porém, cálculos feitos para o PÚBLICO por Carlos Farinha Rodrigues, investigador do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), mostram que mesmo nesse ano o peso das pessoas com dificuldades pode ter sido superior: 19,6% dos portugueses. São mais cerca de 160 mil pessoas a somar aos 1,8 milhões oficiais. De então para cá, acredita, muitos mais se lhes terão juntado.

O raciocínio do economista é este: pela primeira vez desde os anos 1990, a linha de pobreza, que separa quem é tecnicamente pobre de quem não é, desceu (de 434 euros/mês para 421) devido à quebra do rendimento médio da população - tal como no resto da Europa, a linha de pobreza oficial é calculada em função da mediana do rendimento em cada país.

Resultado: algumas pessoas que em 2009 eram consideradas pobres deixaram de o ser em 2010, mesmo tendo visto inalterado o orçamento familiar. Investigadores como José Pereirinha, do ISEG, notam o seguinte: se, por absurdo, o PIB do país baixasse 50%, a linha de pobreza também baixaria, mas nem por isso os que deixassem de ser tecnicamente pobres viveriam melhor. É por isso que o Eurostat calcula, por vezes, a chamada "linha de pobreza ancorada no tempo". "É um indicador diferente da taxa de pobreza oficial, é uma comparação de como evoluíram os pobres", explica Farinha Rodrigues.

O economista calculou, então, uma linha de pobreza ancorada no tempo - tendo por base a linha apurada em 2009. Actualizou-a com base na inflação e chegou a 440 euros/mês como o limiar abaixo do qual se é considerado pobre. E 19,6% da população já não tinha esse rendimento disponível em 2010.

Usando a mesma metodologia, diz o investigador, resulta claro que em 2011 e 2012 o número de pobres se agravou - e continua a agravar-se. Mas é impossível saber exactamente quantos estão a subsistir este ano com menos de 469 euros (linha de pobreza ancorada no tempo em 2012) ou quantos serão em 2013.

Certo é que a taxa de desemprego continua a aumentar - era de 7,7% no terceiro trimestre de 2005, passou para 15,8% em Setembro de 2012. E este aumento está longe de se ter traduzido numa melhoria da taxa de cobertura do subsídio. Dos 871 mil desempregados apurados no final de Setembro de 2012, mais de meio milhão não tinham qualquer protecção social, o que representa 67% do total. Apenas um terço dos desempregados recebe apoio. Se recuarmos ao terceiro trimestre de 2005, quando havia 430 mil desempregados, a taxa de cobertura do subsídio era de 37%. Em 2013, tudo indica que estes números continuem a degradar-se e que se assista a uma diminuição do valor médio do subsídio de desemprego, que passará a estar sujeito a uma taxa de 6%.

Também não se sabe em que medida os cortes no CSI e no RSI agravarão o problema. O valor máximo da prestação de RSI, por exemplo, será reduzido em 6%, passando de 189,5/mês para 178,15 euros.

É certo que o Governo tem criado "almofadas" para atenuar a pobreza - lançou o Programa de Emergência Social, com medidas como as cantinas sociais, o mercado social de arrendamento e uma majoração do subsídio de desemprego para os casais com filhos. E olhando para a evolução das despesas da Segurança Social nos últimos sete anos, houve um aumento de 62%. Entre 2012 e 2013, a reposição de parte dos subsídios aos pensionistas e o previsível aumento do desemprego levarão igualmente ao aumento das despesas totais do Estado com estes grupos.

Mas há críticas. Rodrigues nota que o que o Estado vai poupar em 2013 com RSI e CSI (120 milhões de euros, num total de 25 mil milhões) é uma gota de água no total das despesas com prestações sociais. "Estamos a reduzir as políticas sociais de combate à pobreza e à exclusão social no momento em que elas são mais necessárias."

Bagão Félix, ex-ministro da Solidariedade Social, diz algo semelhante: "Trata-se de uma questão de trocos do ponto de vista macro, mas para as pessoas é muito relevante. Pequenas reduções nas prestações não é uma medida adequada num momento em que está a aumentar o índice de pobreza."

"Assistimos a cortes nas prestações sociais mais dirigidas a pobres e a um investimento em cantinas sociais. Na minha opinião, a opção nunca pode ser fornecer géneros em vez de dinheiro", diz, por seu lado, Pereirinha. "Discute-se isto desde que existe o rendimento mínimo garantido. A direita achava que se devia dar senhas de alimentação às pessoas e a esquerda achava que devia ser rendimento monetário para as pessoas o usarem como achassem melhor. Agora os ventos sopram mais de direita do que de esquerda."

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