"Os nossos velhotes julgam que não precisam de ajuda"

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Aparelho de alerta na casa de uma idosa em Monção NELSON GARRIDO

Dispersas por entre montes e vales, as aldeias do concelho de Monção não são excepção no processo de desertificação e envelhecimento do interior português. Isoladas, muitas na serra raiana, as freguesias do segundo concelho mais envelhecido dos dez que compõem o Alto Minho estão hoje praticamente entregues aos mais velhos. À medida que se percorrem as estradas que recortam a montanha, facilmente se percebe que o fenómeno da emigração deixou marcas, não apenas perceptíveis na paisagem deserta, como na solidão a que muitos ficaram votados. Foi a pensar neles que nasceu o projecto telealarme, pioneiro no distrito de Viana do Castelo. O sistema electrónico de emergência arrancou há cinco meses, por iniciativa de quatro instituições particulares de solidariedade social. Em Pias, a pouco mais de 12 quilómetros do centro da vila, Clara Calvinho, de 84 anos, e João Felgueiras, de 88, ambos viúvos e com os filhos longe, foram os primeiros.

Nas suas casas foi instalado um aparelho que está ligado aos bombeiros. Na central da corporação, cada idoso tem a sua ficha clínica para agilizar a resposta em caso de emergência. Ao pescoço ou ao pulso, os utilizadores transportam o dispositivo. Um botão vermelho que a um simples toque acciona a ajuda.

Clara Calvinho arregaça a manga do casaco e mostra a pulseira, símbolo do cuidado do único filho, emigrante na Suíça. "Foi o meu filho que me pôs esta pulseira. Se eu carregar aqui, vêm os bombeiros." A curiosidade já a levou mesmo a testar o equipamento. Um alarme falso que os bombeiros resolveram com uma chamada telefónica.

Desde Setembro, altura em que passou a usar a pulseira electrónica, ainda não precisou de ajuda a sério: "Graças a Deus." Mas antes de ter o aparelho apanhou um susto. Ainda hoje não sabe explicar o que se passou na noite em que caiu da cama. Só pela manhã, quando chegaram as funcionárias do centro de dia, e estranharam a demora na resposta da idosa, é que foi socorrida. "Devia estar a sonhar, não sei, caí da cama e não me consegui levantar mais. Foi preciso arrombarem a porta para me ajudarem."

João Felgueiras perdeu a esposa vai para três anos. Não tem vizinhos por perto "que lhe deitem a mão" e o filho vive no concelho vizinho de Valença. "O meu filho não tem condições para eu lá estar, mas aos fins-de-semana vem visitar-me", explica.

Foi numa das muitas noites que passa sozinho que tomou consciência do pior lado da solidão. Caiu na casa de banho, ao sair da banheira, e as dores "nas costelas" tolheram-lhe os movimentos e a capacidade de reacção. "Fiquei tão nervoso que nem consegui marcar o número de telefone do meu filho. Deitei-me, agarrei no rosário e comecei a rezar para me entreter."

De manhã, mais calmo, conseguiu falar com o filho, que não hesitou. A pulseira está no pulso do senhor João desde o início deste ano.

Contra todas as expectativas, esta linha SOS não tem colhido a adesão esperada. Pensado para numa primeira fase abranger 20 idosos, o telealarme só serve sete. Preocupada com estes resultados e com as notícias vindas recentemente a público de idosos encontrados sem vida em casa, a câmara municipal, parceira neste projecto, lançou um apelo à "mudança de mentalidades". Consciente da "resistência e reticências" dos mais velhos ou mesmo à questão económica (os preços variam entre os cinco e os dez euros de mensalidade, de acordo com os escalões definidos com base no valor das reformas, e o mesmo critério é aplicado para a instalação do equipamento), o autarca José Emílio Moreira diz que a sensibilização terá forçosamente que passar pelo envolvimento da família. "Os nossos velhotes julgam que não precisam de ajuda e não querem depender destas modernices."

A fraca adesão não desanimou as técnicas que andam no terreno. Dizem que mais tarde ou mais cedo as vantagens convencerão os mais cépticos. Fátima Afonso, do Centro Paroquial e Social Padre Agostinho Caldas Afonso, sabe "que estas coisas levam o seu tempo". Foi assim quando a instituição iniciou o apoio domiciliário ou criou o centro de dia. "Foi um processo lento, mas hoje temos a capacidade de resposta esgotada."

Há outros obstáculos: "Há quem pense que pode ser uma burla." Outros ficam receosos "porque as pensões, em geral, são baixas".

Para a directora do Centro Paroquial de Pias a solução passa por mais divulgação do serviço. Esse trabalho já foi iniciado nas rádios e jornais da terra. Em breve, numa iniciativa conjunta com as juntas de freguesia, as instituições responsáveis pelo projecto partirão para o terreno para informar e fazer o levantamento dos casos de idosos que vivem sós e em locais afastados. No Verão, com os emigrantes de férias, será reforçada a campanha de sensibilização.

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