Cartão Viva Viagem é um grande quebra-cabeças

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O especialista José Viegas considera o bilhete pouco acessível para utilizadores ocasionais Joao Gaspar

Bilhete recarregável dos transportes de Lisboa não convence. Empresas apontam limitações tecnológicas, especialista diz que falta organização

"Desculpe, o senhor pode ajudar-me que eu não consigo entender-me com isto?" A mulher, jovem ainda, tem na mão meia dúzia de cartões verdes. Atrás dela esperam, impacientes, cinco pessoas que querem comprar um bilhete de comboio. Na estação de Barcarena-Massamá, no sentido Sintra-Lisboa, há três máquinas automáticas para assegurar o serviço. Uma está avariada e as outras nem de longe chegam para aviar a procura neste princípio de manhã.

"Já perdi dois comboios por causa desta porcaria", exclama um homem que aguarda vez. Idosos, analfabetos, estrangeiros, utilizadores esporádicos, gente de todas as idades e nacionalidades que usa o comboio com frequência e trata por tu teclados e monitores, lidam com um sistema que parece ter sido feito para quem o conhece. "Importa-se de me tirar o bilhete?", suplica uma idosa.

Cenas como estas repetem-se a toda a hora nas estações das linhas suburbanas da CP e nas instalações do Metro de Lisboa, da Transtejo/Soflusa (ligações fluviais) e da Fertagus (comboios da Ponte 25 de Abril) onde se vende o cartão recarregável Viva Viagem, com um microchip incorporado.

Lançado em 2008, o Viva Viagem continua a ser um quebra-cabeças para muita gente, em especial para os passageiros ocasionais. Tanto mais que na maior parte dos casos, mormente no Metropolitano, não há alternativa à sua aquisição ou recarregamento nas máquinas automáticas e o sistema tornam-no complicado e pouco amigável.

Basta dizer que o Metropolitano recebeu 1888 reclamações relacionadas com o cartão Viva Viagem em 2008 e 1434 em 2009, o que corresponde a cerca de 20 por cento do total. Já a CP refere 400, a Transtejo/Soflusa 110 e a Fertagus 123, todas em 2009. E isto sabendo-se como os portugueses são avessos a formalizar queixas e reclamações, muitas vezes rodeadas de burocracias e perdas de tempo.

Uso muito limitado

Entre as queixas mais frequentes dos utilizadores destes cartões avultam a dificuldade de uso das máquinas e as limitações ao emprego de um mesmo cartão em mais do que uma empresa e em mais do que um trajecto, ainda que na mesma empresa.

De acordo com os porta-vozes da Fertagus e da Transtejo/Soflusa, a impossibilidade de carregar diferentes títulos de viagem de um único ou de vários operadores num mesmo suporte resulta das limitações tecnológicas do próprio cartão, limitações essas que a OTLIS (agrupamento de empresas que gere o Viva Viagem) está a tentar ultrapassar junto dos fornecedores.

Opinião diferente tem José Viegas, professor universitário do Instituto Superior Técnico de Lisboa e especialista em transportes, para quem o problema é de organização, ou, como diz, o que torna tudo mais confuso é o "muito deficiente enquadramento administrativo e contratual" do sistema tarifário e de remuneração dos operadores, e não o equipamento tecnológico.

Mas, como se não chegasse a ambiguidade e a pouca clareza das instruções transmitidas pelos ecrãs tácteis das máquinas, ainda sucede que de operador para operador as máquinas variam e o modo de as utilizar também. Nalguns casos, o sistema transforma-se numa charada. É o que acontece quando se tem de optar entre uma modalidade de carregamento chamada zapping e outra. Às vezes, sobretudo no metro, ainda aparece um segurança prestável que dá uma ajuda e explica que a modalidade zapping permite carregar o cartão com dinheiro utilizável em alguns dos operadores - com as excepções da CP e da Fertagus -, em vez de o carregar com viagens que se podem efectuar apenas na empresa em cuja máquina se faz o carregamento.

50 cêntimos, de cada vez

Pior do que apanhar com o zapping pela frente é colocar um cartão no leitor da máquina e perceber que ele não serve para carregar o bilhete pretendido. E isso acontece em muitas situações, nomeadamente se já lá está carregado um título de viagem de outro percurso ou de outro operador.

Por exemplo, se o candidato a viajante quer ir de Massamá para Benfica e carregou anteriormente o cartão com dois bilhetes para Rio de Mouro mas só usou um, não tem hipótese: só pode carregar mais bilhetes para Rio de Mouro. Ou então experimenta um após outro a ver se encontra algum que aceite o carregamento para o destino desejado, ou simplesmente compra um novo cartão, que lhe custa mais cinquenta cêntimos.

Viegas até considera "amigável" o sistema de bilhetes nos transportes públicos em Lisboa, embora sublinhe que essa opinião só se aplica aos utentes que fazem diariamente o mesmo percurso e recorrem, por isso, aos passes mensais. Porém, para os utilizadores "intermitentes", o sistema é "bastante menos" acessível, admite. Argumentando que "não há soluções boas" para esses casos, Viegas diz que "seria desejável que existissem passes para [um determinado número de] dias não necessariamente consecutivos", uma situação comum a outras cidades europeias, onde "os acordos de bilhética intermodal se aplicam quer aos passes mensais, quer aos bilhetes simples ou de dia", o que facilita a vida dos utentes. com Marisa Soares

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