Um terço dos apoios ao sector agrícola ficou nas mãos de 140 operadores

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O sector do leite tem fortes apoios do orçamento comunitário Rui Soares

No ano passado, houve mais de 300 mil beneficiários das ajudas ao sector, mas um número ínfimo de entidades ficou com mais de um terço do total, que foi de 675 milhões de euros

As grandes explorações agrícolas, as organizações de produtores e muitas instituições privadas e públicas continuam a absorver a fatia de leão dos apoios concedidos todos os anos à lavoura portuguesa. No ano passado, os 140 maiores beneficiários das ajudas - os que recebem mais de meio milhão de euros - arrecadaram 242 milhões de euros. Este valor representa cerca de 35% do montante (675 milhões de euros) concedido a todo o sector, onde existem mais de 300 mil beneficiários.

Os apoios dados à lavoura nacional surgem no âmbito da Política Agrícola Comum (PAC) e são distribuídos segundo dois critérios: uma parte do orçamento (cerca de 70%) são ajudas directas aos produtores agrícolas, consagrados na chamada vertente FEAGA da PAC. São 100% financiados por dinheiros europeus. Há depois uma outra componente, a do apoio a projectos de investimento agrícola, que surge integrada no pilar FEADER da PAC e que inclui uma comparticipação nacional.

No ano passado, a componente das ajudas directas distribuiu 479 milhões de euros a mais de 200 mil beneficiários e a do investimento ascendeu a 196 milhões de euros para mais de 100 mil funcionários.

Arlindo Cunha, antigo ministro da Agricultura, reconhece que é normal que as grandes empresas do sector absorvam uma parte substancial dos apoios. "Tem muito a ver com a dimensão das empresas, que podem receber apoios à sua produção ou subsídios à exportação. Para receberem as ajudas directas, têm que produzir".

Este antigo relator do Parlamento Europeu para as reformas da Política Agrícola Comum defende que, mesmo assim, faz sentido imporem-se tectos aos que mais recebem, como acontece, por exemplo nos Estados Unidos, e que devem ser privilegiadas as explorações ou as empresas que são mais eficientes na área do emprego. "Deve haver uma majoração neste caso, como aliás a Comissão Europeia pretende", afirmou ao PÚBLICO.

Faltam os agricultores

Uma análise aos maiores beneficários das ajudas agrícolas mostra que, na componente dos apoios ao investimento, o campeão das ajudas é um organismo da administração central, a Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, logo seguida da EDIA, a empresa que gere o empreendimento do Alqueva. E estão também muitas empresas do sector agro-industrial, quase todas a beneficiar de apoios para projectos de investimento entretanto realizados ou que estão a realizar. Mas também surgem muitas empresas do sector dos vinhos, onde sobressaem os apoios à exportação, do leite (especialmente dos Açores) e entidades ligadas às grandes culturas.

Há ainda, entre os grandes beneficários, empresas que gerem entrepostos comerciais, gabinetes de apoio técnico à actividade agrícola, unidades de negócio de prestação de serviços ao sector.

José Martino, um engenheiro agrónomo que tem colaborado na concepção e concretização de muitos projectos de investimento, afirma que o actual regime é muito complexo e acabou por ficar paralisado, porque "não teve presente que há várias agriculturas dentro da agricultura portuguesa". E defende que, no próximo programa de desenvolvimento rural, "deve colocar-se os apoios nos projectos que visem aumentar a produção". "A teoria de que é preciso dar dinheiro a todos não resulta", acrescenta.

Só assim, argumenta José Martino, será possível ultrapassarmos o crónico défice da balança agrícola. "Temos que nos concentrar mais naquilo em que somos competitivos, temos que produzir mais para exportar", afirmou Martino em declarações ao PÚBLICO.

José Martino considera, ainda, que estes apoios não surtirão efeito se não se ultrapassarem alguns dos problemas crónicos que condicionam o desenvolvimento do sector: o acesso à terra, a formação profissional e, fundamentalmente, o do financiamento.

A Comissão Europeia tem em discussão pública uma nova proposta de reforma da Política Agrícola Comum, que, entre outras vertentes, prevê uma recalibragem na distribuição dos apoios entre os diversos países - ou seja, reduzindo o envelope dos que mais recebem em favor dos Estados que têm direito a um montante mais baixo de ajudas do orçamento comunitário.

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